As funções da expressão “acho que” na dimensão epistêmica de um debate presidencial

Autores

DOI:

https://doi.org/10.14393/DLv19a2025-4

Palavras-chave:

Modalizadores, Expressão “acho que”, Interação

Resumo

Neste trabalho, analisamos os usos da expressão modalizadora epistêmica “acho que” em um debate eleitoral presidencial. Para isso, articulamos contribuições funcionalistas sobre a expressão “acho que” e estudos sobre os modalizadores e a dimensão epistêmica desenvolvidos no âmbito da Análise da Conversa etnometodológica. Conforme nossa hipótese, nos diferentes contextos em que “acho que” ocorre, o sentido básico da expressão enquanto mitigadora do grau de certeza do locutor em relação a dado conteúdo proposicional se particulariza, em função da posição sequencial da expressão, o que revela que a gramática é sensível ao contexto sequencial. O corpus analisado se constitui do primeiro debate das eleições para Presidente da República do Brasil de 2018. Na análise desse corpus, assumimos uma postura êmica, na medida em que privilegiamos o ponto de vista dos interactantes sobre o desenvolvimento da interação, ou seja, o modo como realizam as ações e reagem a elas. No debate, identificamos um total de catorze ocorrências da expressão “acho que”, as quais exercem diferentes funções, por permitirem ao locutor, dentre outras ações, tornar menos agressiva a abordagem de informações que pertencem ao território do interlocutor ou de terceiros; mitigar sua adesão a propostas de um adversário; amenizar seu grau de comprometimento com a informação que defende, ao reparar um turno anterior etc. A partir desses resultados, entendemos que, em todas as ocorrências da expressão, a preocupação do locutor por suavizar uma intrusão territorial o leva a diminuir ou a ceder ao interlocutor os diretos epistêmicos na abordagem de um tópico, o que tem como contraparte semântica a expressão de menor compromisso com o que diz. Porém, esse sentido bastante geral torna-se mais específico, em função das propriedades de cada turno em que a expressão ocorre e da posição que ocupa na sequência (primeira ou segunda parte de um par adjacente).

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Biografia do Autor

  • Paloma Bernardino Braga, UFMG

    Doutoranda em Estudos Linguísticos na UFMG. Redatora-revisora na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

  • Gustavo Ximenes Cunha, UFMG

    Doutor em Linguística pela UFMG e Professor da Faculdade de Letras da UFMG e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (POSLIN) da UFMG.

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Publicado

15.02.2025

Como Citar

BRAGA, Paloma Bernardino; CUNHA, Gustavo Ximenes. As funções da expressão “acho que” na dimensão epistêmica de um debate presidencial. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, v. 19, p. e019004, 2025. DOI: 10.14393/DLv19a2025-4. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/75472. Acesso em: 26 mar. 2025.