Narrativas de vida de refugiados
entre testemunho e resistência
DOI:
https://doi.org/10.14393/DLv18a2024-56Palavras-chave:
Refugiados, Narrativas de vida, Testemunho, Discurso de resistênciaResumo
Tomando os fluxos migratórios contemporâneos como um tema sensível e controverso, este artigo tem como principal objetivo examinar, à luz da Análise do Discurso de linha francesa, em seu diálogo com a (Etno)sociologia, narrativas de vida de dois refugiados que se deslocaram para a França. Tais narrativas integram o livro La parole est aux migrants (2015), do jornalista Olivier Geai. Assim, como, em geral, são as autoridades (governantes, especialistas, mídias etc.) que falam sobre e pelos sujeitos em situação de vulnerabilidade e, não raro, se limitam a transformá-los em números, porcentagens e estatísticas, a ideia é “dar voz” a esses sujeitos para que eles próprios contem sua história, no caso deste trabalho, sua experiência migratória. O dispositivo para a análise das narrativas de vida selecionadas retoma alguns planos da semântica global de Dominique Maingueneau (2005), cujo foco é realizar uma abordagem integrada entre a enunciação e o enunciado. São eles: os temas, o vocabulário, a dêixis enunciativa e o modo de enunciação, que remete à noção retórica de éthos. Um segundo objetivo é o de discutir a noção de narrativa de vida para verificar sua condição (ou não) de gênero de discurso, bem como sua relação com a noção próxima de testemunho. Os resultados da análise das narrativas mostram que, se cada uma delas é única e insubstituível, há aspectos que as aproximam, permitindo a construção de um discurso comum: a recorrência de temas como violência, desumanização, xenofobia; a predominância de um eu, que se desdobra entre um aqui-agora (na França, no presente) e um lá-então (no país de origem, no passado); a proposição de um éthos de resiliência. Essas constatações mostram o teor testemunhal do gênero “narrativa de vida” e permitem desestabilizar o discurso oficial e os estereótipos que cerca os refugiados (invasores, delinquentes, terroristas, entre outros), funcionando, então, como um discurso de resistência.
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