O termo “língua-padrão” no QECR e o panorama normativo brasileiro

Autores

DOI:

https://doi.org/10.14393/DLv19a2025-20

Palavras-chave:

QECR, Língua-padrão, Variedades de uso, Português brasileiro

Resumo

Analisa-se neste artigo o emprego do termo “língua-padrão” na versão em português do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas: Aprendizagem, ensino, avaliaçãoQECR (Conselho da Europa, 2001), com o objetivo de verificar se tal emprego estaria em consonância com o panorama sociolinguístico brasileiro, mais concretamente com um dos componentes do que se tem convencionado como uma tríade normativa, composta pelas designadas “norma-padrão”, “variedades/normas (urbanas) de prestígio” (ou “norma culta”) e “variedades/normas populares” (Faraco, 2004; 2008; 2015a; 2015b; Lucchesi, 2004; 2015; Matto; Silva, 2001; 2004). Embora no QECR não se intencione abarcar a realidade linguística de sociedades não europeias, é comum que o documento seja utilizado também fora da Europa como um dos modelos de referência para o desenvolvimento de planos de ensino, manuais didáticos e políticas linguísticas no âmbito do ensino-aprendizagem de línguas adicionais, incluindo o português brasileiro como língua adicional. Ao ser analisado no QECR o total de 16 ocorrências de “língua-padrão” (incluindo as variantes “linguagem-padrão” e “dialecto-padrão”), constatou-se que o termo, tal como se apresenta no documento, não poderia assimilar-se ao comumente tido na literatura linguística brasileira como “norma-padrão” (isto é, o aceite/prescrito nas gramáticas normativas de perfil tradicional), mas sim a algum dos modelos de uso da população letrada, ao geralmente abarcado sob a etiqueta “variedades (urbanas) de prestígio” ou “norma culta”. Uma leitura que equipare “língua-padrão” no QECR ao prescrito nas gramáticas normativas tradicionais traria implicações para o ensino do português brasileiro como língua adicional, já que tenderia a promover uma norma-padrão idealizada como modelo a ser seguido. Advoga-se aqui que docentes, pessoas desenvolvedoras de exames, programas de ensino, cursos e manuais de português brasileiro como língua adicional, bem como colaboradoras na formulação de políticas linguísticas, possam beneficiar-se do QECR sem se submeter a interpretações que vão na contracorrente dos avanços nos estudos linguísticos brasileiros, especialmente no que diz respeito ao refinamento conceitual do seu quadro normativo.

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Biografia do Autor

  • Miley Antonia Almeida Guimarães, Universidad de Salamanca

    Doutorado em Filologia Portuguesa pela Universidade de Salamanca (USAL). Professora leitora da Faculdade de Filologia e do Centro de Estudos Brasileiros da USAL. 

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Publicado

27.05.2025

Como Citar

ALMEIDA GUIMARÃES, Miley Antonia. O termo “língua-padrão” no QECR e o panorama normativo brasileiro. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, v. 19, p. e019020, 2025. DOI: 10.14393/DLv19a2025-20. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/dominiosdelinguagem/article/view/76314. Acesso em: 7 jun. 2025.