“Vou meter [a] mão”
análise dialógica da violência obstétrica contra uma mulher negra na Bahia
DOI:
https://doi.org/10.14393/DLv19a2025-30Palabras clave:
Corpo-enunciado, Mulher negra, Violência obstétrica, Interseccionalidade, Colonialidade de gêneroResumen
O racismo estrutural no Brasil é um fenômeno profundamente enraizado nas instituições e na organização social, sendo sustentado por relações históricas de dominação e exclusão. Essa estrutura racista afeta inclusive os espaços que deveriam ser de cuidado e acolhimento, como os hospitais. Partindo desse entendimento, este trabalho objetiva investigar a construção discursiva do corpo da mulher negra grávida, analisando como diferentes vozes — sociais, médicas e midiáticas — contribuem para silenciar, apagar ou minimizar os relatos de violência obstétrica, por meio de discursos que naturalizam essa prática. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, conforme Godoy (1995), que busca compreender os significados atribuídos às experiências humanas em contextos sociais específicos. A escolha por essa abordagem se justifica pela complexidade do fenômeno analisado, atravessado por dimensões históricas, políticas e simbólicas que não se encaixam em categorias previamente estabelecidas. Metodologicamente, configura-se como um estudo de caso (Yin, 2005), adequado para a investigação aprofundada de fenômenos contemporâneos, especialmente quando as fronteiras entre o objeto e seu contexto não são claramente delimitadas. O referencial teórico contempla os estudos de Lugones (2010) e Davis (2016), que abordam a colonialidade de gênero e a interseccionalidade; Volóchinov (2017) e Bakhtin (2016), que discutem a linguagem como prática ideológica; e Leal et al. (2017), que refletem sobre a violência obstétrica com recorte racial. A análise evidenciou que a violência obstétrica sofrida pela mulher negra ultrapassa o momento do parto, constituindo-se como um enunciado atravessado por discursos que antecedem e sucedem o evento, o que reforça seu caráter estrutural e institucionalizado. Os discursos analisados revelam uma desumanização sistemática, marcada por maus-tratos, silenciamentos e a negação de direitos básicos, compondo uma violência simbólica e física sustentada por relações de poder históricas que ainda operam na atualidade. As vozes sociais, por sua vez, expressam valores profundamente enraizados nas práticas cotidianas, contribuindo diretamente para a construção de sentidos sobre o corpo da mulher negra grávida, e evidenciando como esse corpo é alvo de controle, exclusão e subalternização no campo da saúde.
Descargas
Referencias
ALMEIDA, S. L. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro – Políticas Públicas, 2019.
ALVES, K. C.; FERNANDES, E. S. F.; SOARES, L. C. B.; FERNANDES, T. S. S. Percepções de gestantes acerca da violência obstétrica. Research, Society and Development, v. 14, n. 2, e0314248129, 2025. DOI https://doi.org/10.33448/rsd-v14i2.48129
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Organização, tradução, notas e glossário de Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016.
BATV. Após morte de bebê, mulher denuncia maternidade por violência obstétrica na Bahia. 4 de novembro de 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2024/11/04/mulher-denuncia-maternidade-na-bahia.ghtml.
BUTLER, J. Corpos que importam: sobre os limites discursivos do sexo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015. DOI https://doi.org/10.7476/9788523220037.0002
CARNEIRO, S. Mulheres em movimento. São Paulo: Selo Negro, 2003. DOI https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000300008
COBO, B.; CRUZ, C.; DICK, P. C. Desigualdades de gênero e raciais no acesso e uso dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 9, p. 4021-4032, 2021. DOI https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.05732021
COLLINS, P. H. Interseccionalidade como categoria de análise social. In: Akotirene, Carla (org.). Interseccionalidade. São Paulo: Jandaíra, 2019.
DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.
DAVIS, A. Obstetric Racism: The Racial Politics of Pregnancy, Labor, and Birthing. Med Anthropol, v. 38, n. 7, p. 560-573, 2019. DOI https://doi.org/10.1080/01459740.2018.1549389
GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, v. 35, n. 2, p. 57-63, 1995. DOI https://doi.org/10.1590/S0034-75901995000200008
IPEA. Violência contra as mulheres no Brasil. Brasília: IPEA, 2015.
LEAL, M. do C.; et al. Desigualdades raciais, sociais e geográficas na cesariana e outras intervenções durante o parto no Brasil: estudo Nascer no Brasil, 2011/2012. Revista de Saúde Pública, v. 51, p. 1-12, 2017.
LUGONES, M. Toward a Decolonial Feminism. Hypatia, v. 25, n. 4, p. 742-759, 2010. DOI https://doi.org/10.1111/j.1527-2001.2010.01137.x
OLIVEIRA, B. M. C.; KUBIAK, F. Racismo institucional e a saúde da mulher negra: uma análise da produção científica brasileira. Saúde em Debate, v. 43, p. 939-948, 2019. DOI https://doi.org/10.1590/0103-1104201912222
REVISTA AFIRMATIVA. Mulher denuncia violência obstétrica que teria causado a morte da filha em Salvador (BA). 6 de novembro de 2024. Disponível em: https://revistaafirmativa.com.br/mulher-denuncia-violencia-obstetrica-que-teria-causado-a-morte-da-filha-em-salvador-ba/.
SANTANA, A. T. et al. Racismo obstétrico, um debate em construção no Brasil: percepções de mulheres negras sobre a violência obstétrica. Revista Ciência e Saúde Coletiva, n. 29, 2024. DOI https://doi.org/10.1590/1413-81232024299.09952023
VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. 17. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2017.
WERNECK, J. Saúde da população negra. In: BATISTA, L. (org.). Racismo institucional e saúde da população negra. Brasília: ABPN, 2016. DOI https://doi.org/10.1590/s0104-129020162610
WITKOWSKI, M. S.; MARTINS, G. Vidas negras importam? As mulheres negras e o desmonte do SUS. Terra de Direitos. 2018. Disponível em: https://terradedireitos.org.br.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.
Descargas
Publicado
Número
Sección
Licencia
Derechos de autor 2025 Natália Luczkiewicz da Silva, Aleph Danillo da Silva Feitosa, Flávia Colen Meniconi

Esta obra está bajo una licencia internacional Creative Commons Atribución-NoComercial-SinDerivadas 4.0.
Domínios de Lingu@gem utiliza la licencia Creative Commons (CC) CC BY-NC-ND 4.0, preservando así la integridad de los artículos en un ambiente de acceso abierto. La revista permite al autor conservar los derechos de publicación sin restricciones.


