A criança humana é um mosaico de anjo e animal, escreve o antropólogo Jacob Bronowki. Esta bela imagem evoca tanto nossa determinação biológica, quanto nossa ascensão intelectual e cultural. Os humanos são representantes de uma espécie inquieta, resultado de um longo processo evolutivo marcado por grandes conquistas intelectuais, como o desenvolvimento da linguagem, do pensamento abstrato e da cultura. Entre as atividades humanas, a arte ocupa um lugar único: além das necessidades vitais, a arte mobiliza as dimensões simbólica, emocional e espiritual dos humanos. Assim, a capacidade de produzir arte é frequentemente considerada um traço distintivo da humanidade, às vezes interpretada como um sinal de sua origem divina.
A hipótese da origem divina do humano é um tema forte na arte, perpetuado desde a Antiguidade, que atinge seu auge durante o Renascimento. Nesse período, a representação do ser humano adquire uma dimensão realista, impregnada de traços divinos e idealizações. A concepção do ser humano como uma projeção das forças divinas alimentam durante séculos a dicotomia cultura-natureza, característica da tradição filosófica ocidental (Aristóteles, Descarte).
No entanto, no final do século XIX e início do século XX, certas práticas artísticas se libertaram radicalmente das tradições pictóricas. Obras e artistas controversos, distantes dos modelos culturais estabelecidos, considerados marginais aos sistemas artísticos vigentes, surgem e despertam um interesse ainda presente no campo da arte. Os termos “arte bruta” (Jean Debuffet) ou “arte outsider” (Roger Cardinal) marcam as primeiras tentativas de reunir essas práticas numa categoria artística. Os adjetivos “bruta” e “outsider” tentam definir um território artístico, que se destaca pela espontaneidade instintiva de suas criações, pela natureza do gesto inconsciente, que escapa a qualquer regra técnica ou estética, e que rompe com as normas artísticas. Essas obras, feito erupções de universos profundamente subjetivos, são inclassificáveis. A brutalidade do pensamento artístico pode ser traduzida não apenas pela interferência na imagem, pela desconstrução do gesto e pela subversão dos materiais artísticos, mas também pela violência dos assuntos representados e pelos temas incongruentes.
Essas criações extraordinárias constituem uma forma inédita de pensar a relação entre a criação humana e os ecossistemas culturais. Liberadas de uma estrutura cultural, sua natureza crua e indomável expressa o instinto e a energia criativa em seu estado puro. Elas anunciam e antecipam o questionamento das dicotomias natureza/cultura e humano/animal, que animam os debates atuais (Bruno Latour, Philippe Descola, Tim Ingold).
O dossiê “Simbioses” visa reunir textos sobre obras de arte e pesquisas artísticas que investigam o lado bruto, até mesmo selvagem, nas práticas artísticas contemporâneas, e, abordagens criativas, que tratam da simbiose das formas vivas. Um interesse particular é conferido a projetos artísticos que retomam conhecimentos ancestrais e práticas rituais, que examinam a união entre o homem e a natureza, ou ainda, que abordam os mistérios das narrativas biológicas das espécies.
Esta problemática vasta e diversificada contempla os seguintes eixos de reflexão:
- Simbioses entre animais, plantas e humanos evocadas na arte contemporânea;
- Obras que anunciam a abolição da dicotomia natureza/cultura;
- Ramificações e reinterpretações das noções de arte bruta e arte outsider na atualidade;
- Propostas e projetos artísticos inspirados em formas e noções biológicas como temas criativos;
- Pesquisas artísticas que abordam rituais e práticas ancestrais nas quais os humanos são parte integrante da natureza;
- Análises de obras ou criações, cujas temáticas investigam a proximidade entre humanos e animais.
O fio condutor dessa publicação é o desejo de demonstrar que a arte, além de antecipar certas inquietações intelectuais, pela sua força intuitiva pode promover e materializar um pensamento holístico.
Let’s be us!
Prof.(a) Dr.(a) Nikoleta Kerinska - Universidade Politécnica Hauts-de-France UPHF, Valenciennes – França.
As colaborações podem ser submetidas até o dia 07 de Setembro de 2025 para as seções artigos, resenhas, ensaios, entrevistas e traduções, com 25.000 a 35.000 caracteres, além de autorias e curadorias que se encaixam no formato de ensaios visuais.
O dossiê será publicado no 2o Semestre de 2025.
Serão aceitos textos de pessoas autoras pós-graduandas (nível mestrado e doutorado) e tituladas (mestres, doutores e livre-docentes), artistas, curadores(as) e críticos(as) de arte com trajetória reconhecida e documentada no currículo lattes.
O template e demais orientações se encontram no website da revista Estado da Arte: http://www.seer.ufu.br/index.php/revistaestadodaarte/index.
SIMBIOSES: dinâmicas entre o humano e o não-humano na arte.
Prazo de submissões: 07/09/2025
Revista Estado da Arte, v.6 n2 (2o. sem/2025)
Editora convidada:
Prof.(a) Dr.(a) Nikoleta Kerinska
Universidade Politécnica Hauts-de-France UPHF, Valenciennes - França
nikoleta.kerinska@uphf.fr
Email para contato com a Estado da Arte: