Apresentação Dossiê Leo Strauss: 50 anos de um legado
Palabras clave:
Apresentação, Dossiê, Leo Strauss, 50 anosResumen
É com imensa alegria e satisfação que apresento o “Dossiê Leo Strauss: 50 anos de um legado”, um empreendimento que não seria possível sem o amplo apoio do Prof. Dr. Richard Romeiro Oliveira (UFSJ) e da equipe editorial da revista Primordium – Revista de Estudos Clássicos, periódico vinculado ao Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia. Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que este dossiê representa muitas coisas para o crescimento do interesse acadêmico sobre Leo Strauss no Brasil, o que faz dessa empreitada algo realmente grande e significativo. Entre as muitas coisas que a confecção deste dossiê representa, vale notar primeiramente o seu caráter inédito, visto que não se encontra nos arquivos dos periódicos oficiais de filosofia no Brasil nenhuma publicação desta natureza, o que fornece a esta produção um caráter inédito e exclusivo. Em segundo lugar, é importante registrar aqui que este dossiê, além de inédito e exclusivo, como foi acima pontuado, vem a lume em um ano simbólico, no qual se comemora uma dupla efeméride: os 50 anos da morte de Leo Strauss e os 70 anos da publicação de sua obra mais comentada e traduzida no mundo, o monumental Natural Right and History. Um terceiro ponto digno de comentário diz respeito ao momento em que ocorre a publicação deste dossiê: trata-se, de fato, de um momento marcado, no Brasil, por um interesse acadêmico cada vez maior e ostensivo pelo autor que ele visa homenagear e em que se observa, portanto, um significativo aumento no número de monografias, dissertações e teses defendidas por pesquisadores brasileiros acerca de seu pensamento e de seu trabalho filosófico, dando origem a um material bibliográfico que pode ser consultado nos repositórios de universidades de todas as regiões do país.
Negligenciada durante décadas, atualmente a obra de Leo Strauss começa, com efeito, a ser descoberta e estudada no Brasil de maneira relativamente rápida e vibrante, levando jovens pesquisadores de nosso país a se debruçarem, com objetivos filosóficos, sobre os textos straussianos, o que tem tornado possível, entre nós, a constituição de uma verdadeira e incipiente “straussiologia”. É legítimo dizer que esse interesse pela produção filosófica de Leo Strauss no Brasil segue uma tendência internacional mais recente que pode ser percebida por meio de publicações que chegam de vários lugares do mundo e em diferentes idiomas, publicações que buscam uma compreensão mais profunda dos textos e cartas deixados pelo autor. Esse fenômeno nos mostra que os trabalhos straussianos possuem um inequívoco potencial reflexivo para lidar de maneira autêntica e radical não apenas com os temas da tradição do pensamento político e filosófico, mas também com os impasses e contradições da cultura moderna e contemporânea, sobretudo aqueles que se vinculam com os acontecimentos mais problemáticos que se impõem às sociedades de nosso tempo.
Mas a justificativa mais fundamental para este dossiê se assenta no fato de que Leo Strauss é indiscutivelmente um dos mais importantes filósofos políticos do século XX; na realidade, para muitos especialistas, Strauss é mesmo o mais erudito e mais profundo dos pensadores da filosofia política contemporânea, fato que se evidencia seja a partir do vasto leque de autores por ele estudados, seja pela originalidade de seus insights e reflexões ou ainda pela maneira sagaz e peculiar com a qual ele problematizou os modismos e o dogmatismo do pensamento moderno e contemporâneo. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que certamente ninguém se engajou filosoficamente mais do que ele em um projeto necessário de renovação da filosofia política em um contexto atual. Nesse sentido, a sua proposta de “retorno às coisas políticas” por elas mesmas, por meio da retomada dos “problemas fundamentais”, visando efetuar a saída do casulo dos preconceitos intelectuais de nosso tempo e alcançar uma compreensão renovada das questões originárias que alimentam o pensar genuíno, torna o seu modo característico de filosofar uma postura radical diante das soluções fáceis e abstratas que caracterizam a filosofia política na atualidade. É à luz desses elementos que devemos compreender o recurso de Strauss ao questionamento socrático como um procedimento alternativo para a reativação da filosofia política, e o seu apreço pela dialética platônica e pela moderação política aristotélica, o que nos mostra que a sobriedade do pensamento antigo parece ser para o professor Strauss o caminho para um renascimento original da racionalidade na filosofia política contemporânea.
Strauss nasceu em 20 de setembro de 1899, em Kirchhain, pequena cidade rural localizada no estado de Hesse, na Alemanha, e, durante os anos de sua formação acadêmica, foi aluno de Husserl e Heidegger. Como muitos intelectuais de origem judaica, ele se exilou nos EUA para fugir da perseguição de cunho antissemita instaurada pelo movimento nacional-socialista em sua terra natal. Com efeito, depois de passar uma temporada em Paris e Cambridge, graças ao recebimento de uma bolsa da Fundação Rockefeller, ele finalmente se instalou na América no ano de 1937, onde passou por uma década de profundas dificuldades financeiras, até se tornar, em 1949, professor de Ciência Política na Universidade de Chicago, instituição em que lecionou por duas décadas.
Nos EUA, Strauss formou gerações de estudantes e ganhou muitos admiradores, influenciando vários intelectuais com quem teve contato e dialogando com colegas e críticos. Contudo, durante a sua vida, Strauss foi visto, na maioria das vezes, apenas como mais um erudito especializado nos clássicos do pensamento político ou como um scholar convencional cuja produção intelectual fora totalmente dedicada ao ramo da história das ideias. É apenas após a sua morte, em 1973, que se começa a compreender que Strauss é autor de uma obra profundamente instigante que escapa ao campo da mera erudição historiográfica, o que desencadeia um movimento hermenêutico que paulatinamente altera o modo de recepção dos seus textos. Com isso, a dimensão genuinamente filosófica dos trabalhos de Strauss aos poucos passa a ser reconhecida, consolidando-se gradativamente a compreensão de que esses trabalhos contêm insights filosóficos realmente originais, mobilizados em função de um projeto intelectual ousado, qual seja: o projeto de efetuar uma crítica radical aos principais pressupostos da filosofia política moderna e contemporânea, mediante uma minuciosa e diferenciada interpretação das grandes obras da tradição.
Desde então, o legado intelectual de Strauss veio a exercer fascínio e admiração em um vasto número de estudiosos em várias partes do mundo. É o que se verifica, antes de mais nada, realmente, nos EUA e no Canadá, países em que o pensamento de Strauss causou inicialmente mais impacto, transformando-se no objeto de um profundo (e às vezes polêmico) debate; e é o que se observa igualmente, nas últimas décadas, na Europa (especialmente na Itália, na França e na Inglaterra) e, mais recentemente, na Ásia, com destaque para a China, país em que se verifica o desenvolvimento de uma vasta produção bibliográfica dedicada ao estudo e análise dos textos de Strauss. A organização do presente dossiê se insere na esteira desse movimento internacional e tem como objetivo contribuir com ele, abrindo espaço para a publicação de textos de jovens pesquisadores brasileiros que corajosamente têm se dedicado a esse difícil trabalho de compreensão da grande e complexa obra de Strauss.
Descargas
Descargas
Publicado
Cómo citar
Número
Sección
Licencia
Derechos de autor 2024 Elvis de Oliveira Mendes
Esta obra está bajo una licencia internacional Creative Commons Atribución-NoComercial-SinDerivadas 4.0.