Resumo
A preocupação com as mudanças climáticas tem ocupado um papel central na atualidade, com a realização de eventos ambientais mundiais para discussão dos efeitos do uso excessivo de combustíveis fósseis e seus impactos negativos ao ambiente. Nessa perspectiva ocorreu a celebração do Acordo de Paris em que o Brasil assumiu metas de reconfiguração de sua matriz energética e, para alcançar o cumprimento de tais metas, foi criada a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), pela Lei nº 13.576/2017. Por ser mais uma política pública voltada para o incentivo do agronegócio, derivada de um forte histórico de dependência do setor sucroenergético de medidas do Estado para se sustentar, é importante refletir para além do conteúdo formal da política pública, observando quais interesses ela busca defender. Além disso, por criar um mecanismo expansor do cultivo da cana-de-açúcar, o RenovaBio traz rebatimentos territoriais e ambientais. Desta forma, o presente artigo objetiva realizar uma análise de política pública, em sua etapa de formulação, verificando o contexto econômico e político que embasou a aprovação e posteriores alterações no RenovaBio. Metodologicamente, a análise ocorreu em três níveis: Superficial; Abrangência territorial; e Estrutural. Verificou-se a formação de uma rede de atores envolvidos no processo, que demonstra a existência de relações de poder, algumas vezes traduzidas por subordinação, dependência de recursos ou de apoio político. Esses atores agiram para a construção do texto da lei que favorecesse à classe, aprovação do projeto de lei em tempo recorde, regulamentação direcionada, flexibilização de requisitos e fixação de altas metas de aquisição de créditos de descarbonização. O RenovaBio é muito promissor, mas ainda há lacunas a serem sanadas e uma série de interferências políticas que prejudica o desenvolvimento, transparência e credibilidade do programa.
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