GEOGRAFIA POLÍTICA, SAÚDE PUBLICA E AS LIDERANÇAS LOCAIS

 

POLITICAL GEOGRAPHY, PUBLIC HEALTH AND THE LOCAL LEADERS

           

Raul Borges Guimarães

Universidade Estadual Paulista - Pres. Prudente

raulguimaraes@uol.com.br

RESUMO

O presente trabalho é uma contribuição para o entendimento da natureza política da saúde pública, em uma perspectiva geográfica. Os serviços de saúde são considerados uma rede de sociabilidade organizada pelo discurso, na qual são incorporadas as noções de imaginário social  e de memória, bem como suas implicações para a epistemologia do lugar social. Em um contexto de profunda heterogeneidade na distribuição de equipamentos coletivos, como é o caso das cidades brasileiras, observou-se a variabilidade de articulações efetivamente realizadas, ao longo do tempo,  pelos diversos atores sociais envolvidos nessa rede. Nos limites do poder local de Presidente Prudente, essas relações foram codificadas em termos do fortalecimento da assistência médica e da expansão da beneficência. Encontram-se aí as matrizes do pensamento conservador das lideranças políticas que detêm o comando da política de saúde no nível municipal.

Palavras-chaves: Geografia da saúde, saúde pública, memória urbana, imaginário social.

 

ABSTRACT

This work is a contribution to the comprehension of the political nature of the public health care in a geographical point of view.  The health care service is considered  as a network  of sociability organized by  discourse, in which aspects of both the social imaginary and  the memory are incorporated, as well as their implications for the epistemology of the social environment. In a context where the distribution of the collective equipment is deeply heterogeneous as is the case in Brazil, it is observed the variability of the connections effectively established, over the years, by different social actors in this network. Within the limits of the local power of  Presidente Prudente, these connections were codified in terms of both a strengthening of the medical care and the expansion of benefaction. We can find in them the essence of the conservative ideals of the political leaders who decide on the municipal health care policy.    

Key-words: Health Geograpy, public health care, urban memory, social imaginary



 

INTRODUÇÃO

A idéia central que gostaria de discutir neste texto é a respeito do rico acervo da saúde pública para os estudos geográficos, particularmente da geografia política. Apesar do reconhecimento da importância dos conceitos da geografia na elaboração dos fundamentos teóricos e metodológicos da epidemiologia (Czeresnia e Ribeiro, 2000), pouco se tem avançado no sentido inverso, ou seja,  na discussão a respeito da contribuição da saúde pública para o desenvolvimento da geografia.

Em primeiro lugar, as questões políticas que envolvem a saúde pública chamam a atenção para a discussão das relações entre o Estado, o poder e a democracia, considerando-se os movimentos sociais e suas escalas geográficas de ação. Dentre nós geógrafos, o debate a respeito da reforma agrária e da reforma urbana sempre teve muitos adeptos. Alguns geógrafos têm procurado avançar na compreensão destes movimentos sociais a partir de categorias geográficas. Segundo Bernardo Mançano Fernandes, os movimentos socioterritoriais seriam aqueles que têm o território como trunfo (Fernandes, 2000). Como veremos adiante, pela própria origem da saúde pública brasileira, assim como a estratégia adotada pelos sanitaristas para garantir a participação popular na gestão da política de saúde, a reforma sanitária pode ser considerada um exemplo de movimento socioterritorial.           

Saúde pública brasileira: o nacional e o local

Segundo Hochmann (1998), o campo da saúde foi delineado, no Brasil, valendo-se de uma negociação entre os estados e o poder central, tendo o federalismo como moldura político-institucional.  Desde 1904, com a implantação da legislação sanitária, as  autoridades públicas passaram a dispor de aparatos legais, institucionais e de recursos humanos para fiscalizar as condições de salubridade dos imóveis urbanos e a produção e comercialização de alimentos, conforme Hochmann (1998). Ficaram a cargo do governo central: o serviço sanitário dos portos, a fiscalização das atividades médicas, farmacêuticas, laboratoriais (incluindo os controle das vacinas e soros), a organização de estatísticas demográfico-sanitárias, e, a imposição da notificação compulsória de várias doenças (tifo, cólera, febre amarela, peste, varíola, difteria, febre tifóide, tuberculose e lepra).  Aos poucos, foi se constituindo uma rede de instituições públicas que compartilhavam uma concepção geral de saúde e de doença, transformando as moléstias transmissíveis em um problema político. 

Ainda conforme Hochmann (1998), o conflito central desse processo foi o limite do poder público em uma situação de risco diante de um mal considerado público, sem desconsiderar o respeito aos direitos individuais, incluído  o direito de propriedade. O enfrentamento de tal contradição foi de fundamental importância para o delineamento das relações entre o público e o privado e entre poder local e poder central no Brasil, colocando em questão o princípio de submissão aos coronéis que controlavam a vida municipal no interior do país. O país continuava a conviver com graves problemas sanitários. Permanecia a ênfase nas ações contra a febre amarela e a peste, apesar de muitas outras moléstias serem responsáveis por um grande número de mortes nas cidades (tuberculose, difteria, lepra e doenças venéreas), bem como de endemias rurais, que permaneciam no esquecimento das autoridades públicas. 

A gripe espanhola, que tomou conta do país em 1918, teve impacto significativo sobre a percepção coletiva das relações entre doença e sociedade e sobre o papel da autoridade pública. Segundo Hochmann (1998), a epidemia produziu um consenso mínimo a respeito da necessidade urgente de mudanças na área da saúde pública ao atingir também as elites.  Sob o impacto da gripe espanhola, o poder público avançou na sua capacidade de agir coercivamente sobre a sociedade, durante os anos 20. A consolidação da rede nacional de serviços sanitários inviabilizou qualquer tentativa de regresso ao cenário político anterior à expansão do campo de atuação do poder público na área da saúde. 

O movimento sanitarista teve importância fundamental na elaboração do discurso político que permeou estas ações. Mediante palestras, panfletos, artigos em jornal e garantindo representação política no Congresso Nacional, disseminou pela sociedade brasileira uma definição essencialmente política dos limites do poder público: os sertões. Para os sanitaristas, os sertões “caracterizavam-se pela concomitante ausência de poder público e onipresença das doenças que pegam, em especial, das chamadas grandes endemias rurais [...] Esses sertões estavam mais próximos e eram mais ameaçadores do que se podia imaginar” (Hochmann: 1998, 16).

Historicamente, sertão é um termo utilizado para designar as regiões distantes do litoral e dos núcleos urbanos.  No Nordeste brasileiro, desde o período Colonial, o sertão correspondia a uma extensa área para além dos engenhos de açúcar em direção aos planaltos centrais, marcada pela ocupação dispersa de uma população que vivia da criação do gado. Disputando o domínio do território com os indígenas, desenvolvendo-se isoladas dos principais centros urbanos, as populações do sertão conservaram muitos traços arcaicos: religiosidade tendendo ao messianismo, culto à honra pessoal e à fidelidade aos superiores, hábitos rústicos resultantes do ajustamento cultural do português em contato com o aborígene (Ribeiro: 1993).

Em São Paulo não foi muito diferente. A paisagem colonial estendia-se pelo Planalto Ocidental por terras conquistadas à mata e ao índio, interligadas por um mosaico de caminhos distantes dos centros de consumo e dos costumes e tradições da metrópole.  Esse imenso espaço aberto à expansão colonial, também denominado de sertão, era considerado terra de aventureiros, de viajantes e daqueles que se acostumaram a viver na fronteira longínqua da civilização: o caipira (Holanda: 1994).

A área cultural caipira é uma variante da cultura brasileira rústica que se espalhava pelo interior de São Paulo, do Espírito Santo, de Minas Gerais, do Mato Grosso e do norte do Paraná.  Rude e pobre, essa população rarefeita e dispersa, sem contato direto com a vida urbana, voltara-se para o seu auto-sustento e organizara-se em pequenos núcleos familiares vivendo no ritmo das tradições de seus  antepassados. No rancho (sua casa de palha e pau-a-pique) fazia-se de tudo: fio de algodão, chapéu de palha, gamela de raiz de figueira, cuia de beber, pote de barro, colher de pau. Uma vida de “bandeirante atrofiado, sem miragens, concentrado em torno dos problemas de manutenção de um equilíbrio mínimo entre o grupo social e o meio”, conforme Cândido (1987: 46).

Integrados em bairros rurais, os caipiras desenvolveram formas de solidariedade entre as famílias para as tarefas que exigiam maior esforço. A principal delas era o mutirão, auxílio mútuo e ação conjugada entre moradores de toda vizinhança que garantia uma rede de troca de favores e mantinha os laços mais solidários entre os vizinhos. A devoção a um santo, a promoção de missas,  festas, leilões e bailes permitiam outras formas de convívio ainda que condicionadas a um horizonte cultural limitado à economia mais de subsistência do que mercantil. Esse homem da fronteira do sertão mais esmo, associado ao ócio e a vadiagem, encarnou o símbolo do atraso e de modo depreciativo foi  comparado ao índio, que já sofria discriminação e era tido como preguiçoso (Ribeiro: 1993).

O Jeca Tatu, personagem de Urupês, livro publicado por Monteiro Lobato em 1918, sintetizou esta imagem:

funesto parasita da terra é o caboclo, espécie de homem baldio, semi-nômade, inadaptável à civilização, mas que vive a beira dela, na penumbra das zonas fronteiriças. À medida que o progresso vem chegando com a via férrea, o italiano, o arado, a valorização das terras, vai ele refugindo em silêncio, com seu cachorro, o seu pilão a-pica-pau  e o isqueiro, de modo a sempre conservar-se mudo e sorno...” Monteiro Lobato (1918, p. 219).

Ignorante, fraco e doente, o caipira era impedido de participar do esforço de desenvolvimento do país. O sertão era um grande hospital abandonado e repleto de doentes.

Ninguém mais do que os sanitaristas do início do Século XX souberam explorar politicamente essa idéia. Convenceram a opinião pública nacional de que a saúde era um dos principais problemas do país e chamaram para si a discussão das alternativas de superação do que eles consideravam a principal questão sanitária do Brasil: o “sertão”.

A intensificação do debate sobre a saúde pública, segundo Castro Santos (1980), aconteceu no contexto do surgimento de inúmeros movimentos de caráter nacionalista, nas duas últimas décadas da Primeira República. Tais movimentos pretendiam reivindicar e afirmar os princípios da nacionalidade e realizá-los por intermédio do Estado, introduzindo na agenda política brasileira temas da saúde, da educação, do civismo e dos valores nacionais, dentre outros.

Nesse ambiente de grande efervescência política, São Paulo pode ser considerada vanguarda do ponto de vista da definição do campo da saúde pública e dos rumos da política nacional. Foi praticamente a única unidade da Federação capaz de formular uma estratégia sanitária e implementar permanentemente políticas de saúde pública, servindo de modelo para o restante do país.

A explicação de tal excepcionalidade entre os autores que estudaram esta questão (Iyda, 1994; Ribeiro, 1993; Telarolli Jr., 1996) reside nos interesses econômicos dos cafeicultores, que precisavam importar mão-de-obra para as suas lavouras localizadas no interior do estado. A organização econômica de São Paulo, tendo a cidade portuária de Santos e a cidade de São Paulo como paradas obrigatórias dos imigrantes, exigia ações rigorosas de saneamento e controle sanitário. Por esse motivo, a agenda sanitária, segundo essas interpretações, teria incorporado gradualmente os temas da habitação popular, dos cuidados materno-infantis, da tuberculose e das doenças venéreas, antecipando medidas que seriam tomadas posteriormente pelo Governo Federal em todo o país. Como a cafeicultura era o “carro-chefe” da economia,  permitindo o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, a questão da saúde pública passava pelo delineamento político dos dirigentes paulistas. Estudar a saúde pública no Brasil exigiria, necessariamente, segundo esses autores, a compreensão das relações entre o caso paulista e as demandas impostas pelo capitalismo internacional.

Hochmann (1998) apresenta uma explicação bem diferente para a excepcionalidade paulista. Para ele, o caso de São Paulo não pode ser explicado simplesmente como uma resposta às demandas da economia agroexportadora, que na maioria das vezes é transformada em variável independente. Mais do que isso, é preciso identificar as relações entre a política sanitária paulista e os problemas sanitários enfrentados pelo Governo Federal e demais estados, esclarecendo os elos de ligação da política paulista de saúde pública, o movimento sanitarista brasileiro e a expansão dos serviços sanitários federais. A tão proclamada exceção seria, na verdade, parte de uma solução negociada politicamente entre as elites das unidades federativas.  São Paulo valia-se do seu poder econômico ocupando os postos chaves da política monetária e do comércio exterior do governo central, mas afastava-se dos assuntos pertinentes ao saneamento e saúde. Assim pôde apoiar um acordo nacional para a questão mas, ao mesmo tempo, impedir a intervenção federal sob o seu território, controlado politicamente pelas elites locais.

Destaco uma outra questão a respeito da excepcionalidade do caso paulista: de que São Paulo está se falando?

De fato, as elites paulistas administraram e desenvolveram autonomamente um extraordinário serviço sanitário, preponderantemente  implantado nos espaços urbano-industriais. Mas até que ponto a ampliação do espaço de atuação dos serviços sanitários atingiu todo o território paulista?  Em São Paulo também haveria sertões inóspitos e repletos das doenças que pegam  em áreas mais próximas do que se poderia imaginar? 

É claro que a tensão política entre o poder local e o Estado, expressa nos rumos da saúde pública, também se reproduziu no território paulista. Era de responsabilidade do município a fiscalização de todos os estabelecimentos que pudessem colocar em risco a saúde coletiva e garantir o saneamento básico à população (água e esgoto). Caberia também ao poder local o policiamento sanitário das moradias, a vacinação e a assistência aos pobres. Caso a localidade estivesse sob surto epidêmico, ficava garantida a intervenção do poder central na localidade, que assumia o controle de todas as ações e serviços sanitários.  Contudo, muitos municípios não assumiam as suas responsabilidades quanto à saúde pública e resistiam à presença dos representantes do Estado na sua área de influência política, ocorrendo disputas entre as decisões dos diferentes níveis do poder, como foi o caso de Campinas, Santos, Araraquara e São Carlos (Ribeiro:1993).

Esses  avanços e recuos da saúde pública no interior de São Paulo devem ser analisados tendo por referência o pacto coronelista, considerado a reprodução da política de governadores as relações estado-municípios, que sustentou politicamente a autonomia municipal na Primeira República. De um lado, o poder estadual controlava os cargos públicos, inclusive no campo da saúde, e os políticos locais o voto de cabresto. As eleições representavam um momento de barganha política entre estas duas esferas do poder.

De fato, o avanço das epidemias de febre amarela e da leishmaniose em direção ao oeste paulista foi motivo de preocupação das autoridades em saúde pública do interior do estado. Segundo Ribeiro (1993), as epidemias ameaçavam a continuidade da expansão da economia cafeeira.  Mas a questão da autonomia municipal era um ponto crucial para a manutenção do pacto coronelista e constituía um obstáculo ao avanço da participação do poder estadual no combate a essas epidemias. 

A constatação de que a própria destruição da floresta tropical era fator inibidor do avanço da febre amarela silvestre e da leishmaniose parece ter pesado na ausência de prioridade para a questão, deixando-se as zonas pioneiras quase que entregues à própria sorte.  O fato é que os sanitaristas concentraram muito mais os seus esforços na porção urbano-industrial do território estadual, alocando recursos orçamentários e reorganizando os serviços com ênfase nas principais cidades do interior do estado, como Campinas e Ribeirão Preto.

A localização das cidades que constituíram marcos históricos da intervenção sanitária no Estado de São Paulo até 1930 no mapa de distribuição dos óbitos por tuberculose de 1929 é esclarecedor. Havia, no final da década de 1920, uma nítida fronteira entre duas realidades distintas no Estado de São Paulo: uma porção urbano-industrial, marcada pela peste da tuberculose; e outra sertaneja, impregnada de doenças endêmicas rurais, nos termos concebidos pelo movimento sanitarista brasileiro.

Em vista disso, os sanitaristas paulistas adotaram uma atitude pragmática (Ribeiro: 1993). Caso as condições de saúde, em razão de surtos epidêmicos, colocassem em risco o desenvolvimento econômico do estado, eles agiriam. Muitas vezes essa atitude gerava forte resistência local, o que implicava arcar com o ônus político da quebra da autonomia municipal.  Mas as sucessivas reformas da organização sanitária de São Paulo, realocando serviços e atribuições e expandindo os programas de ação, tiveram baixo impacto no municípios do oeste do estado, região na qual o isolacionismo  era peça política importante que dava força aos coronéis.

Os argumentos apresentados até o momento podem nos levar a concluir que de fato havia uma porção significativa do oeste paulista esquecida pelo poder público e entregue à própria sorte,  o que torna válida a idéia disseminada pelo movimento sanitarista nacional da existência de um Brasil sertanejo, pobre e doente também em São Paulo.  Contudo,  é preciso olhar para esse processo desvendando as relações políticas que permearam o discurso ideológico dos sanitaristas. Eles associavam o sertão com ausência de poder público, pressupondo como dado a priori uma certa concepção de Estado de quem olha o país com base no contexto dos grandes centros urbanos. Não compreendiam a existência de outro tipo de vida social que não fosse aquela nos moldes estabelecidos pela metrópole. Os sanitaristas, “tomando o Brasil pelo Rio de Janeiro e o Rio de Janeiro pelas cidades européias, apresentavam a medicina como uma forma de intervenção elaborada pelos grupos sociais hegemônicos sobre a saúde dos cidadãos e a salubridade das cidades.”  (Telarolli Júnior: 1996, p. 18)

De fato, o ambiente de abandono e doença dos “sertões do Paranapanema”, marcado pelo conflito de terras e o predomínio da vida rural distante dos grandes centros urbanos, foi propício para assegurar a reprodução do coronelismo como estrutura de poder local. O título de coronel era fruto do patrimônio pessoal e capacidade de transformar o poder econômico em “voto de cabresto” (Leal: 1976). Sustentadas pela ordem patrimonial, as relações políticas permeadas pelo coronelismo eram de tolerância. Era o coronel que permitia, consentia, proibia, recusava, aceitava, reprimia, admitia (Faoro: 1993).  Nos dizeres de Melo:

a utopia do cidadão pleno era continuamente postergada em função da segurança do sistema de apropriação da terra e do trabalho mais nos moldes senhoriais do que no mercado. Daí a permanência da grilagem de terras e do voto de cabresto [...] A sociedade civil ficava à mercê da tolerância do coronel. Cidadão era o coronel, não seus comandados. Estes adquirem cidadania no chefe. Ele concentra em si a cidadania, negando-a. Não a reconhece na acepção liberal de cidadão, mas requer para si o acesso ao mercado, lugar da cidadania. Eis a contradição inerente ao coronelismo. A sociedade civil fica circunscrita à tolerância do coronel. É nesses limites que as pessoas transitam.” (Melo: 1995, p.43).

Qual foi a política de saúde consentida pelo coronel na “boca do sertão” do oeste paulista? É o que pretendo responder analisando a  relação da política de saúde com a memória urbana de  Presidente Prudente.  

Política de saúde e coronelismo

Com o sucesso obtido pela Saúde Pública no controle das principais epidemias em São Paulo até a primeira década do século XX, houve progressivo declínio do modelo de organização dos serviços enquanto poder de polícia, que se esvaziava de sentido. O  campo da saúde pública vivia um período de redefinição de rumos e de inversões de prioridades expressas segundo a  agenda definida pelo movimento sanitarista, com ênfase na educação sanitária e no combate às endemias rurais, de acordo com Gonçalves (1994).  As reformas do Serviço Sanitário de 1917 foram um marco inicial dessas mudanças.

A inovação mais importante da  nova legislação foi a definição de um Código Sanitário Rural (Ribeiro: 1993). Até então, as propriedades rurais não se constituíam terras sujeitas ao controle sanitário. A polícia sanitária só podeia entrar nas fazendas mediante a autorização de seus proprietários. Agora, pela primeira vez no Brasil, o delegado de saúde passaria a exercer amplos poderes  de fiscalização sob qualquer estabelecimento suspeito, podendo verificar as condições higiênicas e a saúde de seus habitantes, ainda que essas ações estivessem acima do direito de propriedade.

A primeira tarefa dos inspetores sanitários nos “sertões do Paranapanema” foi fiscalizar as fazendas.  Desconsiderou-se, inicialmente, a existência do espaço urbano, onde já havia alguma riqueza econômica acumulada e crescente número de habitantes, que gerava problemas de saúde pública, como sífilis, difteria, mal de Chagas, hanseníase, tracoma e parasitoses diversas (Libório: 1997).

Foram os coronéis que atraíram para as cidades da região os primeiros médicos, mediando com o governo do estado, quando era o caso, o encaminhamento de doentes mais graves para atendimento ambulatorial ou hospitalar em algum serviço da capital ou localidade mais próxima. Isso quando não era ele mesmo que dispunha de recursos próprios para a compra de remédios ou custeio de tratamento de pessoas da sua base eleitoral, o que contribuía para a manutenção dos mecanismos de barganha política em sua área de influência.

A partir de 1925, a política de saúde adquiriu definitivamente a sua nova concepção, centrada na educação sanitária dos indivíduos, segundo Ribeiro (1993). A recém-criada Inspetoria de Higiene dos Municípios substituía a extinta Inspetoria do Serviço de Profilaxia Geral, recebendo a incumbência do saneamento do interior. Para tal finalidade, foram instalados postos de higiene em todos os municípios do Estado, o que representou um incremento de 67% no orçamento da saúde pública.

Como decorrência desse novo modelo de organização dos serviços, segundo Ribeiro (1993), surgiram mais tarde os centros de saúde, que passaram a ser o eixo organizador da reforma implementada pelo Dr. Geraldo Horácio de Paula Souza. Os Centros realizavam palestras educativas, elaboravam cartazes e folhetos explicativos e organizavam exposições com projeções de slides e filmes. Dessa forma, difundiam a educação com o objetivo de criar uma consciência sanitária,  introduzindo nova personagem no serviço público de saúde:  a educadora sanitária. Priorizavam-se os cuidados com as doenças sexualmente transmissíveis, a lepra e a tuberculose.

Presidente Prudente surgiu nesse processo de mudanças nas políticas de saúde pública de São Paulo. O  núcleo urbano não era dotado de qualquer infra-estrutura e normatização do uso do solo e o poder público municipal mostrava-se ausente nas questões fundamentais da saúde pública da época, como educação sanitária e controle de focos de doenças infecto-contagiosas.  A saúde da população não passava de mais um instrumento de afirmação do compromisso entre o poder público e o poder privado do grande proprietário de terras.

Mas isso não quer dizer ausência de política de saúde, como bem entendiam os sanitaristas da época. Se o desenvolvimento dos serviços sanitários em nível local significou fortalecimento do espaço público, o que era incompatível com o tipo de “cidadania” mediada pela pessoa do coronel, o avanço da saúde pública em Presidente Prudente deve ser associado ao processo de acomodação política que ocorreu após a crise gerada pela ruptura da hegemonia oligárquica paulista e mineira no comando da política nacional com a chamada “Revolução de 1930”.

A área da higiene pública foi, de imediato, um dos setores mais visados por Getúlio Vargas, sobretudo em São Paulo, onde a reforma sanitária conferira autonomia às regionais de saúde. Uma série de medidas centralizadoras dos “revolucionários” atingiram o Serviço Sanitário entre os anos de 1930 e 1931: reduziram-se as atividades dos Centros de Saúde, que se transformaram em dispensários subordinados à Inspetoria de Higiene e Assistência à Infância, anulando-se as ações preventivas em favor da medicina curativa.

As mudanças impostas pela chegada de Getúlio Vargas ao poder coincidiram com o início da institucionalização da assistência médica individual previdenciária, que foi se constituindo gradativamente no eixo principal das práticas de saúde, de acordo com Gonçalves (1994). A partir daí, a Saúde Pública perdeu cada vez mais importância tanto do ponto de vista da dotação orçamentária quanto no que diz respeito às representações sociais.

Como o desenvolvimento urbano de Presidente Prudente ocorreu em especial depois de 1930, talvez por isso a saúde pública nunca tenha ocupado muito espaço no imaginário social da cidade.  Pelo contrário, os serviços de assistência médica sempre foram mais valorizados, conforme irei analisar a seguir.

As minhas incursões pelo tema tiveram como referência as pesquisas que estão sendo realizadas pelo Grupo Acadêmico “Produção do Espaço e suas Redefinições Regionais” – GASPERR, do Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, principalmente as produzidas por Melo (1995 e 1996) tomando-se por base dados coletados no jornal prudentino “A Voz do Povo”.   Na perspectiva teórica de Melo, “A Voz do Povo” é considerada uma fonte privilegiada de análise, pois “enquanto portador de ideologia e, por conseguinte, de discurso contraditório no seio de elites dirigentes [...] esclarece parte da história do poder local no município” (Melo: 1996, p.141).

O acervo iconográfico e documental existente na Fundação Museu e Arquivo Histórico Municipal de Presidente Prudente foi uma fonte complementar da pesquisa. Superando-se os riscos da descontextualização da informação, conforme nos alerta Meneses (1999), revela aspectos que, no plano da vida pública e privada, vieram reforçar a interpretação adotada a respeito do conteúdo veiculado pelo jornal “A Voz do Povo”.

Os trabalhos realizados por Dióres Santos Abreu (1972 e 1996) também são referências obrigatórias para qualquer pesquisador que queira estudar o contexto histórico do coronelismo na região da Alta Sorocabana, dado o caráter e o grau de abrangência de seu esforço.  Segundo Abreu (1972), Presidente Prudente tornou-se sede da Inspetoria Sanitária do 3º Distrito de Saúde de Botucatu em 1930, responsabilizando-se pela educação sanitária de 22 núcleos urbanos da região. A Inspetoria passou a fiscalizar as condições higiênicas dos estabelecimentos comerciais e logradouros públicos, retendo cães vadios, exigindo instalações adequadas para açougues e padarias, intervindo na forma de comercialização do leite e seus derivados e interferindo no destino do lixo doméstico.  Também coube à Inspetoria a concessão de “habite-se” para as construções novas e a autorização de reformas de edificações de acordo com as normas técnicas do Código Sanitário. 

O Relatório apresentado ao Delegado de Saúde de Botucatu dos serviços efetuados em 1931 pela Inspetoria Sanitária de Presidente Prudente e os Editais dos meses de fevereiro e março de 1932, ainda que extensos, são dignos de registro, já que comprovam o alcance  do poder do inspetor sanitário na esfera pública local:

“Relatório apresentado ao Delegado de Saúde de Botucatu pelo Dr. Macedo Soares Guimarães dos serviços efetuados pela Inspetoria sanitária de Presidente Prudente.

Assumindo o exercício nesta Inspetoria, em maio último, orientei imediatamente a minha atividade no sentido de vacinar a população escolar e a população urbana de Presidente Prudente contra a febre tifóide, infecção que graça endemicamente em toda a zona e nesta cidade com especial freqüência, serviço este efetuado sob minha direção pessoal [...] Em 1931 foram aplicadas 1740 primeiras doses, 1475 segundas doses e 179 terceiras doces, num total de 3394 injeções intramusculares. Assim ficou vacinada contra a febre tifóide, pode-se afirmar, toda a população escolar de Presidente Prudente, com 718 alunos imunizados.

Visitas de vigilância foram feitas 104

A fim de obter uma estatística aproximada da incidência da febre tifóide em Presidente Prudente no ano de 1931 procurei cada um dos médicos desta cidade. Segundo informações por eles prestadas, verificaram-se neste ano 60 casos de febre tifóide em Presidente Prudente [...]

Propaganda e Educação Sanitária

Este capítulo é da maior importância para este distrito, pois em nenhuma outra zona há maior necessidade de propaganda e educação sanitária..No início da ação desta Inspetoria grandes eram as dificuldades para se conseguir a realização de qualquer iniciativa: a tenacidade, o critério e o tempo trouxe-nos, porém, a boa vontade do povo e, hoje, o serviço se realiza sem maiores impecilhos. No intuito de prestigiar a ação dos guardas sanitários compareci pessoalmente na visita às construções, às casas vagas, fiz em pessoa parte do serviço de vacinação, dirigi-me às casas de gênero alimentícios para fichamentos dos empregados, examinei ‘de visu’ qualquer reclamação e daí o número de 763 visitas que efetuei na cidade-sede durante 8 meses. Foram distribuídas 3537 impressos de propaganda. Tiveram efeito 10925 palestras individuais e preleções [...].

Expediente e contabilidade

[...] Foram recebidos 8 requerimentos: 1 de uma parteira diplomada pedindo providências sobre a prática ilegal desta profissão por parte de uma curiosa; 1 de um proprietário de açougue solicitando licença para conservar carne no gelo; e de proprietários de farmácias pedindo a prorrogação do prazo para cumprimento de intimações sobre a instalação das mesmas [...]

Alimentação pública

Teve início o fichamento dos empregados em casas de gêneros alimentícios, atingindo a um total de 87 fichamentos; dentre estes foram fichados 40 leiteiros, 22 empregados em armazéns, 7 em fábricas de gelo e de bebidas, 10 em padarias, 1 em açougue, 2 em sorveteria, 4 em cafés e botequins e 1 cozinheiro.

Padarias

Verifiquei ao primeiro exame que as padarias de Presidente Prudente estavam instaladas de maneira absurda e que exigiam uma remodelação completa e urgente à altura do progresso desta cidade. Chamando os proprietários de padaria a minha presença, após uma combinação prévia com os mesmos, em 27 de junho foram eles intimados a instalar as mesmas de acordo com o Código Sanitário dentro de um prazo de 6 meses. No fim do prazo terminado a 27 de dezembro, uma padaria foi instalada, uma estava em construção, e uma terceira se instalaria em um novo prédio cuja construção se iniciava. Aos outros proprietários das padarias concedi mais 4 meses de prazo, despachando os requerimentos que, pelos mesmos, me foram dirigidos.

O leite

Nesta cidade o leite era vendido em garrafas escuras e impróprias, tampadas com palha de milho. A 1o de outubro dei aos leiteiros um prazo de 30 dias para usarem garrafas transparentes, de boca larga e obturada com disco de papelão, prazo que prorroguei até 31 de dezembro. Ainda em outubro foi dado início a fiscalização do leite, tendo sido feitos nos 3 últimos meses do ano 699 exames de densidade do leite. Hoje todos os leiteiros usam as garrafas apropriadas para o acondicionamento do leite [...] Ao Matadouro Municipal de Presidente Prudente fiz várias visitas [...]

Casas vagas

Grande parte de minha atividade foi gasta na fiscalização das casas que se vagaram, tendo feito durante o ano 233 visitas às mesmas. Esta cidade construiu-se em uma rapidez espantosa com grande desvantagem para a qualidade das construções. No início de sua vida as iniciativas neste município, como era natural, não obedeciam a um critério próprio às exigências do progresso tendo sido construído um grande número de casas de madeira, empregando-se material de última qualidade nas casas de tijolos. Não havendo fiscalização nem legislação municipais a esse respeito, plantas absurdas foram executadas com toda sorte de falta de senso Não dispondo Presidente Prudente de abastecimento de água e rede de esgotos, deveria ter sido aqui limitada a área mínima necessária a uma determinada construção, para não se verificar o que atualmente em muitas vezes acontece: não haver espaço no terreno para se abrir um novo poço ou uma nova fossa; inúmeros terrenos de 10 metros por 22 metros tem construções que os ocupam por inteiro.

No intuito de estudar de perto e detidamente este assunto nesta cidade chamei a mim a fiscalização das casas que se vagaram [...] Das casas que se vagaram 11 foram interditadas definitivamente e 3 o foram provisoriamente afim de se submeterem a reformas completas, depois do que tiveram o ‘habite-se’.

Construções

Verifiquei, assim que assumi a direção da Inspetoria, que este assunto necessitava de uma atenção especial porquanto não havia nesta cidade fiscalização da construção de habitações. Afim de fazer pública a fiscalização que seria iniciada, divulguei pelos jornais locais, em 13 de setembro um edital enumerando as condições do Código Sanitário concernentes às construções,  que deveriam ser adotadas nesta cidade e cuja execução seria fiscalizada pela Inspetoria. Este serviço,  após as dificuldades que se apresentaram nos primeiros dias, está hoje regularizado.Foram feitas 221 visitas a construções. Foram aprovadas 27 plantas [...] Antes de haver a fiscalização desta Inspetoria relativa às construções empregava-se argamassa de barro, construíam-se as paredes externas com ½ tijolo, sem planta aprovada de acordo com o Código Sanitário. Hoje, todas as construções tem plantas previamente por mim aprovadas, só se usando argamassa de cal e areia, paredes externas construídas com 1 tijolo, colocação de assoalho precedida de impermeabilização do solo, venezianas nas janelas de dormitórios, paredes impermeabilizadas a óleo nas cozinhas, etc.

Focos de mosquitos e moscas

Durante o ano foram encontrados e destruídos 134 focos de mosquitos [...] e 311 focos de moscas. Esta cidade não sendo dotada de água canalizada e rede de esgotos que são substituídos pelo poço e pela fossa absorvente, tem focos permanentes de mosquitos e de moscas [...] Felizmente não é esta zona assolada pelo impaludismo a não ser nas povoações vizinhas do Rio Paraná. No intuito de diminuir o número desses focos esta Inspetoria tem fiscalizado de perto as fossas e poços, tendo sido aterradas 34 fossas, melhoradas 37, construídas 57 e melhorados muitos poços.

Serviços feitos principalmente pelos guardas

Casas cadastradas , 1290; visitas domiciliares, 11432; visitas a terrenos e quintais, 15074; visitas a açougues e congêneres, 270; visitas a armazéns e depósitos, 990; visitas a padarias e confeitarias, 316; visitas a estábulos e cocheiras, 353 [...].   Relatório publicado em partes no jornal “A Voz do Povo”, nos dias 04, 11 e 18 de fevereiro de 1932. (grifos meus)

“Faço público que: a) os proprietários dos terrenos que forem encontrados com mato e focos de moscas e mosquitos ficam sujeitos a uma multa de cem mil réis, de acordo com o Código Sanitário em vigor;  b) a observação desta lei será rigorosamente aplicada a partir de primeiro de março próximo, afim de ter esta cidade uma diminuição no avultado número de moscas e mosquitos, transmissores de tantas enfermidades graves. O Inspetor Sanitário, Dr. Macedo Soares Guimarães.” Presidente Prudente, Jornal A Voz do Povo, 18/02/1932. (grifo meu)

“Faço público que: de acordo com as disposições do Código Sanitário do Estado de São Paulo, em vigor, estão interditados os prédios sito às ruas Joaquim Távora, número 36 e 64, Nilo Peçanha, números 57 e 66, Ruy Barbosa, números 1 e 74, Siqueira Campos, número 76, Rio Branco, número 21 e Avenida Antônio Prado, número 68, nesta cidade, não podendo mais serem habitados. Os proprietários serão responsabilizados, sujeitando-se aos rigores da lei, por qualquer infração a estas interdições. O Inspetor Sanitário, Dr. Macedo Soares Guimarães”. Presidente Prudente, Jornal A Voz do Povo, 18/02/1932 (grifo meu).

“Faço público que, a bem da saúde do povo, os bovinos e suínos a serem abatidos no Matadouro Municipal desta cidade devem ser nesse local recolhidos de véspera, evitando-se assim serem abatidos visivelmente cansados e os inconvenientes oriundos desse fato. O Inspetor Sanitário, Dr. Macedo Soares Guimarães.” Presidente Prudente, Jornal A Voz do Povo, 24 de março de 1932. (grifo meu)

Note-se que o relato do Inspetor Sanitário é um raro testemunho das condições de vida e situação social de Presidente Prudente do início da década de 1930. A chegada do Inspetor de Saúde na cidade significou uma mudança muito significativa quanto a presença e agilidade da autoridade pública. A partir daí ocorreram inúmeras melhorias urbanas. O inspetor fazia-se presente nos estabelecimentos comerciais, nos logradouros públicos e propriedades particulares, fiscalizando de perto, interditando, negociando prazos e intimando a adequação às normas, não em nome de qualquer compromisso com o poder privado dos proprietários rurais e urbanos, mas exaltando o poder público e o próprio Estado.

Mas isso não quer dizer que a política de saúde implantada em Presidente Prudente não tenha provocado conflitos e resistências por parte das lideranças locais. O relatório escrito pelo Dr. Macedo Soares Guimarães é discreto quanto a esta questão, fazendo vagas referências às dificuldades para se conseguir realizar as atividades. 

A utilização de “A Voz do Povo” como parâmetro de análise de quais seriam essas dificuldades demonstrou-se fértil. Esse jornal teve sua primeira edição em 1926. Pretende-se autônomo e independente da política dos coronéis, na condição de tribuna do Partido Democrático, que se dizia oposição ao Partido Republicano Paulista – PRP, o partido da oligarquia cafeeira. No período de circulação do jornal analisado (de 1926 a 1940) inúmeros são os episódios relacionados com a Inspetoria de Higiene que tiveram apoio e foram amplamente veiculados pelo "A Voz do Povo”. Entusiasta que era dos propósitos revolucionários de Vargas, o jornal abria o seu espaço, sempre que possível, para a manifestação do Inspetor Sanitário, espécie de interventor estadual em assuntos pertinentes à saúde pública.

É claro que a presença da Inspetoria Sanitária no município, órgão estadual com amplos poderes de polícia, gerou conflitos. O episódio a respeito do controle da comercialização do leite é bastante esclarecedor quanto a este aspecto. Por ordem da Inspetoria de Higiene os leiteiros deveriam adequar-se às normas técnicas definidas no Código Sanitário quanto à forma de acondicionamento das mercadorias e ao tipo de veículo de transporte. A Voz do Povo relata a revolta de um leiteiro diante das determinações impostas, nos seguintes termos:

Esse destemido leiteiro, pela sua bravura ou valentia, falou isso em tom alto para outro leiteiro que mandou fazer um carrinho, de acordo com a ordem da Inspetoria de Higiene desta cidade. O destemido leiteiro falou para o dono do carro: ‘Você obrou mal – fazer carro, você é muito covarde. Nós temos que entrar na cidade com leite em lombo de animal nem que seja a muque” . A Voz do Povo, 24/12/1933.

Diante dos fatos, o jornal coloca-se como guardião da lei e da coisa pública, conclamando a Delegacia de Polícia e a Prefeitura Municipal a apoiarem incondicionalmente as medidas tomadas em nome da saúde pública:

“Isso não tem cabimento numa cidade dotada de alguns melhoramentos, principalmente, executados na gestão do atual prefeito. Perguntamos: Por que a Inspetoria de Higiene também não pode sustentar o seu ponto de vista, de acordo com a lei ou de conformidade com suas atribuições? Julgamos nós que essa lei da Inspetoria não pode sofrer restrições, sendo pois, uma medida de caráter e de incontestável utilidade pública, não podemos compreender que a ela não deve obedecer todos os leiteiros desta cidade. Entretanto, o Exmo Sr. Dr. Inspetor Sanitário tendo exigido uma coisa legal deverá ter para a garantia de seu ato não só a delegacia de polícia, como também a Prefeitura Municipal, pois esses poderes públicos devem colaborar para a saúde pública.” Jornal “A Voz do Povo”, 24/12/1933. (grifos meus)

Ainda que procurando manter-se cuidadoso nas críticas à autoridade local, que no caso se tratava de Felício Tarabay, de origem perrepista e pouco alinhado à linha ideológica do jornal, “A Voz do Povo” cobra o apoio do prefeito às medidas tomadas pela Inspetoria. Acredito que tal posicionamento possa ser interpretado como um indicador da ausência de colaboração do poder público local para o pleno andamento das ações sanitárias empreendidas pelo órgão estadual.

Um cidadão que interdita definitivamente o uso de imóveis, que ordena a limpeza de terrenos e desautoriza o andamento de construções irregulares não deve ter sido bem quisto nos círculos sociais de uma cidade acostumada à política de troca de favores e de um tipo de poder definido pelo tamanho das posses dos cidadãos. O levantamento efetuado no acervo de “A Voz do Povo” também foi bastante rico para elucidar essa questão.

Inicialmente, no levantamento de dados no acervo do jornal, causou-me estranheza a ausência do inspetor sanitário nos eventos sociais mais importantes ocorridos em Presidente Prudente daquela época, tais como bailes, inaugurações de obras públicas e festas cívicas. Como explicar tamanho isolamento imposto ao médico da Inspetoria sanitária? Passei a associar este fato à existência de uma certa hostilidade às suas ações, tidas como afronta aos mandatários locais. Além disso, as atividades desenvolvidas pelo inspetor sanitário detinham menor prestígio social do que aquelas empreendidas pelos médicos da cidade. Pelo menos, é o que posso julgar pela importância dada às notícias veiculadas pelo “A Voz do Povo” às constantes conquistas de Presidente Prudente no campo da assistência médica, o que nos indica um claro viés ideológico do significado do moderno e do progresso nas práticas em saúde.

Assim, pode-se acompanhar através das páginas de “A Voz do Povo” o crescimento do movimento médico-hospitalar de Presidente Prudente. Nos primeiros números do jornal, o destaque fica para as realizações do Dr. Romeu Leão. A matéria de 04 de julho de 1926 vem parabenizá-lo pela defesa de doutorado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ainda no mesmo mês, no dia 25, o jornal parabeniza-o pela instalação de um completo laboratório de análises em Presidente Prudente. O assunto referente às obras de construção de sua casa de saúde, o sanatório São Paulo, ganhou espaço de setembro a dezembro do mesmo ano.

O Sanatório São Paulo foi inaugurado em fevereiro de 1927. Depois de 1 ano de funcionamento, “A Voz do Povo” dedica um artigo a respeito do funcionamento do mesmo. São elogiosas as menções do jornal ao número de internações realizadas na instituição durante aquele período (total de 196), com destaque para as cirurgias de maior complexidade. O caso de uma apendicite supurada e com início de gangrena, por exemplo, foi motivo de um artigo especial, rico em detalhes pitorescos, quase uma crônica cotidiana, no jornal do dia 23 de março de 1928.

Um outro assunto que foi motivo de atenção do jornal diz respeito à instalação do aparelho de Raio X no consultório médico do Doutor Augusto Pena, em 05 de maio de 1929. A matéria faz menção ao grande auxílio que o aparelho vinha proporcionando à comunidade, assinalando a importância da chegada de tal equipamento como um forte indicador do progresso da cidade. Na seqüência de realizações do Dr. Augusto Pena, “A Voz do Povo” fez cobertura da inauguração de seu Sanatório São Bento, em 14 de dezembro de 1930. Segundo o jornal, a inauguração do sanatório era um “atestado” do grande sucesso alcançado na Alta Sorocabana:

“O Sanatório São Bento, edificado inteligentemente, tem uma distribuição de dependências para o fim a que se destina: sala de espera, instalação de Raio X, sala de curativos, sala de operações com projetor especial para as que se fizerem à noite, quarto para internação de doentes, com campainha elétrica à cabeceira de cada cama, cozinha e sala de refeições”. A Voz do Povo, 14/12/30.

Nenhuma outra realização no campo da saúde teve maior destaque no jornal do que o processo para angariar fundos, construir e inaugurar a Santa Casa de Misericórdia de Presidente Prudente. São 57 artigos referentes a esse empreendimento entre 03 de maio de 1926 e 07 de janeiro de 1940.

Dentre os artigos dedicados à Santa Casa, ocuparam o maior número de páginas as atividades das quermesses, chás dançantes e bailes  organizados para angariar fundos para a construção do hospital. Representavam grandes eventos sociais que mobilizavam “comissões de senhoras da nossa melhor sociedade” dos segmentos do Comércio, da Lavoura (entenda-se, latifundiários) e da Indústria.

O relato de João Pires de Campos, que se encontra no acervo do Museu Municipal desde as comemorações do cinqüentenário da fundação do hospital, reforça o fato de “A Voz do Povo” ter dedicado tanto espaço a este tipo de evento:

“Para angariar dinheiro para o término dos primeiros pavilhões foram feitas muitas festas, inclusive bailes carnavalescos. A mais importante, que mais rendeu, foram as quermesses do Navio* e dos Corsários. A primeira, com todos os elementos do comércio e o professorado da época. A barraca dos Corsários com a elite: médicos e alta sociedade. Havia rivalidade entre as duas barracas, mas a união das diretorias superava tudo pois a finalidade era a mesma. As barracas funcionavam oficialmente 3 vezes por semana; mas, na realidade, todas as noites nos reuníamos, moços e moças e até famílias para lá no Navio comemorarmos aniversários e batermos papo. Não havia em Prudente um ponto de encontro para os jovens e tudo era pretexto para nos 3 meses de festejos todos lá no Navio se encontrassem. Época feliz. Primeiro os ensaios, onde todos nos reuníamos em casa de José Seppa, depois nos salões do ex-hospital do Dr. Romeu Leão. Pires fez a letra do hino dos piratas e o Seppa e Dr. Pires fizeram a música. Na inauguração, como de praxe, os padrinhos Dr. Romeu e Dona Lurdes Leão foram quem quebraram a champanhe e após os discursos, navio lançado ao mar, estava a festa começada. Todas as noites que funcionava a quermesse as famílias faziam pratos especiais, fora os salgadinhos e doces. De bebidas somente refrigerantes e cerveja com pouco álcool, todos se animavam e se dançava até as 4 da manhã. Tudo se vendia, correio elegante, flores que vinham de São Paulo... Tudo era difícil de conseguir e para nós se tornava fácil. Festejamos o dia do viajante e concentramos toda a classe sorocabana para uma grande festa no navio. Fizemos  baile da passagem do Equador – baile de gala, prestigiados por todas as cidades vizinhas e até alta Mogiana, Barretos e Ribeirão Preto. Aqui chegavam atraídos pela festa famílias, moças, rapazes das grandes cidades, como Bauru, Botocucatu e Araraquara. Após 3 meses acabavam-se as festas. Do Navio partiram os pares para o casamento. Os jovens daquela época somos os velhos de hoje e muitos já se foram desta vida”. Depoimento prestado à Fundação Museu e Arquivo Histórico Municipal, por João Pires Campos, na ocasião da comemoração dos cinqüenta anos da Santa Casa, 16 de agosto de 1980.

Tudo que se referia à Santa Casa era objeto de interesse de divulgação pelo jornal. Balancetes anuais das diretorias executivas, visitas de pessoas ilustres, montante dos donativos. Comparando as notícias de jornal com o relato acima, concluo que a construção da Santa Casa foi motivo de orgulho para  a cidade, mobilizando todos os segmentos da elite local[1]. Segundo o jornal, 

“esta cidade que tem fóros de civilizada, centro populoso e rico, para onde convergem todas as economias de áreas de imensa extensão, tem atraído médicos de proficiência, indiscutíveis advogados, engenheiros, artistas, industriais, comerciantes, sem mencionar muitos outros elementos de progressos inestimáveis. Entretanto, seja nos permitido dizer, falta até hoje o verdadeiro cunho de civilização, que só possuirá quando puder ostentar o quadro incomparavelmente encantados da ciência de mãos dadas com a fé, militando sob a mesma cúpula da Santa Casa. O edifício da Santa Casa, dotado dos necessários aparelhos científicos, confortar-nos-há com a confiança que inspira a todos nós suscetíveis das prolongadas enfermidades”. A voz do Povo, 19/11/1933. (grifos meus)

“A construção da Santa Casa de Misericórdia representou um dos acontecimentos mais arrojados de Presidente Prudente e, aliás, da Alta Sorocabana .... A Voz do Povo deixa aqui consignado o seu apelo as várias classes sociais de Presidente Prudente, no sentido de concorrerem aos festivais de beneficência em favor da instituição benemérita”. A voz do Povo, 26/07/1937. (grifo meu)

“A nossa Santa Casa está, como as mais modernas casas congêneres, aparelhada para desempenhar a sua finalidade. Além de suas vastas hygienizadas enfermarias e quartos para pensionistas, dispõe de um pavilhão que serve de maternidade, de magnífica sala de operações, farmácia, etc.”  A Voz do Povo, 26/01/1939. (grifos meus)

Aos poucos, no imaginário social, a Santa Casa foi se transformando em sinônimo de saúde, de política de saúde. O exame dos elementos determinantes desse processo contribuiu para o entendimento da natureza política da saúde pública em terras sob poder dos coronéis.  Nesse sentido,  a compreensão da dialética interna do signo[2] foi de fundamental importância para a análise do conteúdo geográfico contido nesse imaginário social, o que ampliou em muito os horizontes de leitura dos padrões espaciais dos serviços de saúde forjados no discurso e nas práticas em saúde pública.

Dentre os atores sociais que participaram desse jogo político destaco os médicos, uma vez que foram suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital simbólico (cultural ou econômico) para manter ou disputar posição na estrutura de poder, contribuindo assim para a conservação ou a transformação da estrutura social. E isso não seria possível se o campo da saúde não fosse uma instituição de memória que reorganiza simbolicamente o universo das pessoas e das coisas pela legitimação que produz, em suas diversas dimensões.

Como já analisei nos capítulos 1 e 2, o conceito histórico de saúde é um capital simbólico acumulado nos lugares, representando mediações passíveis de informar certas relações entre sociedade e saúde, orientando políticas públicas e fundando sentidos profundos da própria vida urbana. É a saúde assumindo a forma específica de comunicação entre pares e o outro, em relações intersubjetivas. Ou seja, a vida social como expressão de interações e significados. A cultura inscrita no espaço público.

Como já analisei nos capítulos 1 e 2, o conceito histórico de saúde é um capital simbólico acumulado nos lugares, representando mediações passíveis de informar certas relações entre sociedade e saúde, orientando políticas públicas e fundando sentidos profundos da própria vida urbana. É a saúde assumindo a forma específica de comunicação entre pares e o outro, em relações intersubjetivas. Ou seja, a vida social como expressão de interações e significados. A cultura inscrita no espaço público.

O uso de metáforas representou, então, uma estratégia de convivência discursiva desenvolvida pelos atores sociais, a fim de construir a compreensão das mudanças e de seu lugar no mundo também em mudança (Kearns, 1997). Como nenhum indivíduo realiza essa tarefa sozinho, mas em sua interação como sujeito com os outros, esse conjunto de idéias-força compôs-se no arcabouço do imaginário social que marcou o lugar e a época.

O acervo iconográfico da Fundação Museu e Arquivo Histórico Municipal de Presidente Prudente demonstrou-se uma fonte significativa para a análise do capital simbólico acumulado pelos médicos de Presidente Prudente na década de 1930.  As fotografias antigas têm sido utilizadas nos estudos do imaginário social. Elas não apenas retratam uma época, mas denunciam a compreensão daquele real por parte de quem as produz, o que tem sido considerado um rico auxiliar na aproximação da esfera das mentalidades e da memória coletiva (Kossoy: 1999).

Intencionalmente, escolhi 3 fotografias que considero uma documentação visual representativa do imaginário social da época.  A primeira delas, registra a cena de inauguração do equipamento de Raio X dos Doutores Domingos Leonardo Cerávolo e Gabriel Costa, em 30 de janeiro de 1936, no Sanatório São Paulo. Sentados da esquerda para à direita estão o Dr. Domingos Leonardo Cerávolo; Dr. Gabriel Costa, sua filha Leila Costa e esposa, Maria C. Costa; F. Mota; e o casal Hayde e Alderico Goulart. No segundo plano, em pé, da direita para à esquerda, um conjunto de médicos (Dr. Luiz Leite, Dr. Antônio Corrêa, Dr. Queiroz Leite, Dr. Smênio Di Migueli, Dr. Sobrado, Dr. Faria Mota, Dr. Jacinto Ferreira da Silva, Dr. Picarelli), acompanhados por Adalberto Goulart.

Assim como na inauguração de outros equipamentos de Raio X divulgados pelo jornal “A Voz do Povo”, a presença de vários médicos da cidade e pessoas de parentesco próximo (esposas e filha) dão a medida do prestígio social de tais iniciativas naquela época.  A disposição das personagens no registro fotográfico também é digna de nota. Os médicos-proprietários à frente, acompanhados de representantes da família do coronel Goulart, um dos principais mandatários da região.

Veja a fotografia seguinte (figura 2). Autoridades, equipe médica, freiras vicentinas e pacientes posam na frente da Santa Casa de Misericórdia, recém inaugurada, em 12 de julho de 1935.

Observe-se a disposição hierárquica das personagens dispostas ao longo da escadaria.

No topo e de pé, encontram-se os médicos do corpo clínico do hospital (Dr. Domingos Cerávolo, Dr. Gabriel Costa e Dr. Olympio Ribeiro da Luz). De modo mais discreto, no canto inferior direito, duas irmãs vicentinas. Por fim, todos os doentes sentados, apresentando vestes mais rústicas e semblantes fechados.

Por fim, a terceira fotografia escolhida por mim desfecha o quadro social que a fotografia anterior representa. Trata-se do registro da “primeira paciente” do hospital, foto datada de 11 de julho de 1935.

Assim como na foto anterior, mantém-se a ordem hierárquica entre os médicos do corpo clínico do hospital, as irmãs vicentinas e a  paciente. Os médicos olham para o infinito, com posição altiva e predestinada. A “primeira paciente” é a única sentada, tristonha e doente. Finalmente as freiras, sempre discretas, cumprindo o papel resignado de ajuda aos pobres.

Esse arranjo dissimulado da fotografia chamou-me para seus possíveis conteúdos latentes, metafóricos. Não estaríamos diante do próprio Jeca Tatu assistido pelos médicos, conforme evocava o Movimento Sanitarista Brasileiro? Sim e não.

O profissional vestido de branco, “dotado dos necessários aparelhos científicos”, reforça o poder da tecnologia médica e de um trabalho altamente complexo, prestigiado e de um certo nível de infalibilidade. Em oposição, a senhora de negro, desanimada e triste, como tantos “Jecas” do famigerado sertão paulista, finalmente assistida. Presidente Prudente e sua região não poderiam mais ser consideradas abandonadas à própria sorte, possuíam um moderno e equipado hospital.


Figura 1

Figura 1 - A inauguração do Raio X

Fonte: Acervo da Fundação Museu e Arquivo Histórico Municipal de Presidente Prudente


Figura 2

Figura 2 - O dia da inauguração da Santa Casa de Presidente Prudente

Fonte: Acervo da Fundação Museu e Arquivo Histórico Municipal de Presidente Prudente

 

Figura 3

Figura 3 - A primeira paciente da Santa Casa

Fonte: Acervo da Fundação Museu e Arquivo Histórico Municipal de Presidente Prudente

 

Por outro lado, é preciso considerar que, na agenda política dos sanitaristas, saúde era sinônimo de fortalecimento do espaço público e  expansão da vigilância sanitária e epidemiológica. Nos limites do poder local, essa relação foi codificada em termos de fortalecimento da assistência médica e expansão da beneficência. A assistência médica, numa cadeia de relações sinonímicas cada vez maior com o “direito à saúde”, resultou de um culto à coisa, ao saber fazer, à técnica. A expansão da beneficência, por sua vez, pode ser entendida como a transfiguração do espaço público em circuito de filantropia, o que reforçou mecanismos de controle social dos médicos preservando, ao mesmo tempo, relações de subalternidade e troca de favores originados na época do coronelismo.

Não por acaso a principal liderança do Movimento Pró-Santa Casa de Presidente Prudente, Dr. Domingos Leonardo Cerávolo, transformou-se no herdeiro político dos coronéis, personificando na figura do médico a imagem do político realizador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A saúde pública brasileira tem dado visibilidade à dificuldade de articulação entre as diferentes esferas de poder - municipal, estadual e federal, fruto da ausência de um pacto federativo efetivo na república brasileira desde a sua gênese. Em determinados períodos da história da saúde pública no país, observa-se um processo de concentração na esfera central e a presença e controle das instituições estatais sobre o território a partir do centro. Em outros momentos, observa-se com maior clareza a autoridade do governo estadual e de iniciativas no nível local para atender as necessidades de saúde da população.  Tanto numa situação como na outra, o estudo da saúde pública dá visibilidade às relações sociais de competição e cooperação, delimitando-se as escalas geográficas em torno das quais o poder é exercido e contestado.

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 [1] Para Bakhtin, o signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes. “Aquilo mesmo que torna o signo ideológico vivo e dinâmico faz dele um instrumento de refração e de deformação do ser. A classe dominante tende a conferir ao signo ideológico um caráter intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou de ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente” Bakhtin: 1995, p.47).

[2]Para Bakhtin, o signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes. “Aquilo mesmo que torna o signo ideológico vivo e dinâmico faz dele um instrumento de refração e de deformação do ser. A classe dominante tende a conferir ao signo ideológico um caráter intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou de ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente” Bakhtin: 1995, p.47).