in Domínios de Lingu@gem
O ensino da leitura com o gênero tirinha a partir da Linguística do Texto
Abstract
RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar a reelaboração de uma atividade para a disciplina de Língua Portuguesa envolvendo interpretação através do gênero tirinha que encontra-se no livro didático de Língua Portuguesa, do 7º ano do Ensino Fundamental, disponibilizado à turma durante o ano letivo de 2020. O objetivo foi realizar uma análise da atividade para, a partir dessa, propor uma nova perspectiva interpretativa e também a ampliação da mesma, levando em consideração o ensino de leitura teorizado na Linguística do Texto (doravante LT). Para fundamentar tal prática, recorreu-se ao aporte teórico de Koch (2015) na LT, a fim de subsidiar as discussões propostas; contribuíram também Schneuwly et al. (2004), Koch e Elias (2014b), Köche e Marinello (2015) para o ensino de gêneros textuais, e Koch e Elias (2014a) para o trabalho com leitura. Considerando a metodologia qualitativa, a qual permite considerar o contexto de aprendizagem dos estudantes, foi possível a (re)significação da atividade do livro didático, dado que, ao elaborar a ampliação de uma atividade pronta do livro, percebe-se o quão é pertinente trabalhar com a LT em sala de aula, uma vez que a teoria admite potencializar e ampliar as propostas de leitura e interpretação presentes nos livros didáticos.
Main Text
1 Introdução
Sabe-se que o trabalho com gêneros textuais em sala de aula, na Escola Básica, requer atenção especial do professor de Língua Portuguesa, pois o ensino da linguagem ainda está pautado na gramática, ficando, muitas vezes, os conhecimentos que exploram a aprendizagem da leitura em segundo plano no processo de ensino e aprendizagem do estudante. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma sugestão de atividade proposta pelo livro didático utilizado pelo 7º ano, a qual foi ampliada levando em consideração os pressupostos da Linguística do Texto (LT) e também o contexto de ensino e aprendizagem dos estudantes.
De acordo com Hila (2009), algumas vezes, a dificuldade que o professor encontra em trabalhar com gêneros textuais deve-se ao fato de o mesmo desconhecer bases teóricas que dão conta de explorar esses tópicos. Isso explica, em parte, a vulnerabilidade do docente em considerar que as aulas podem ir além do uso do texto, e não apenas para a identificação de conteúdos gramaticais.
Além disso, o trabalho com gêneros textuais, segundo Köche e Marinello (2015), traz benefícios para o estudante, visto que é uma oportunidade significativa de explorar o ensino da linguagem em seus diferentes usos no cotidiano dos alunos. Nesse sentido, a proposta é que se desenvolva, na aula de Língua Portuguesa, um ensino de leitura mediado pelo professor, priorizando as estratégias e os conhecimentos que são mobilizados no processamento textual no momento da leitura, considerando, assim, a compreensão do estudante sobre o tema e gênero a ser trabalhado.
Neste artigo, apresenta-se uma análise de uma atividade com o gênero tirinha, proposta pelo livro didático intitulado Português Linguagens, de Cereja e Magalhães (2012), destinado a alunos do 7º ano do Ensino Fundamental, partindo dos preceitos da LT. A escolha da atividade ocorreu por ela estar presente em um livro utilizado em sala de aula com os estudantes durante as aulas de Língua Portuguesa. Ressalta-se que, ao selecionar a atividade, considerou-se o conteúdo bastante pertinente na aprendizagem - verbos, conteúdo este que gera dificuldade na compreensão e é considerado, pelos alunos, como um conteúdo difícil. Acredita-se que a ampliação da atividade permitirá explorá-la na interpretação, na gramática e na leitura, deixando o conteúdo supracitado mais atraente aos estudantes. Assim, focou-se no ensino da leitura, a partir de um gênero textual, tirinha, considerando a habilidade dos alunos e os conhecimentos de leitura, propostos pela LT.
Destaca-se que a leitura, assim como a gramática e a produção escrita, é um tópico muito importante a ser explorado nas aulas de Língua Portuguesa e, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNS):
[...] é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção de significado do texto, a partir de seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. [...] Uma prática constante de leitura na escola deve admitir “leituras”. Pois outra concepção que deve ser superada é o mito da interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado está no texto. O significado, no entanto, constrói-se pelo esforço de interpretação do leitor a partir não só do que está escrito, mas do conhecimento que traz para o texto (BRASIL, 1998, p. 15).
Sendo assim, é preciso que o professor compreenda as diferentes interpretações de seus alunos, que entenda que estes provêm de ambientes heterogêneos e que, por isso, trazem para a escola conhecimentos diversificados que podem tornar a aula mais rica e interativa, deixando de serem apenas receptores para tornarem-se autores, junto a seus professores, no processo de aprendizagem.
Dessa maneira, no sentido de contribuir para o processo de ensino e aprendizagem dos estudantes e de pensar junto ao professor de linguagem, propôs-se, nesta escrita, analisar a proposta de atividade com o gênero tirinha para, a partir da teoria da leitura proposta pela LT, ampliar as possibilidades de trabalhar com a interpretação. Conforme Koch e Elias (2014b, p. 189):
Os ensinamentos da Linguística do Texto que respaldam as postulações dos PCNs. Compreensão, leitura do que não está escrito, construção de sentidos são habilidades que envolvem questões como a da implicitude, já que, como sabemos, não existem textos totalmente explícitos; dos tipos de implícito [...].
Nesse viés, inicialmente, o artigo apresentará uma breve contextualização sobre a teoria da LT; o trabalho com a leitura e gêneros textuais em sala de aula; seguida da análise e comentário sobre a atividade proposta pelo livro didático, observando a abordagem que este propõe para a compreensão da leitura proposta; e um desenvolvimento da atividade com sugestões para futuros trabalhos relacionados a esse gênero. Mostrar-se-á que é possível realizar outros encaminhamentos para o trabalho com a leitura, sinalizando a importância que ela desempenha na aprendizagem em sala de aula e, para finalizar, tecer-se-ão as considerações finais.
2 Pressupostos teóricos
2.1 A linguística do texto e o ensino
Neste estudo, a LT encontra-se em sua terceira fase, a qual concentra a aprendizagem da linguagem a partir do texto. O conceito de texto foi sendo construído à medida que os estudos em LT foram sendo ampliados. Com isso, de uma simples compreensão de texto como unidade linguística, o texto passa a ser compreendido como um elemento fundamental para contribuir na construção da aprendizagem da linguagem.
A LT avançou em seus estudos e hoje é tida como uma disciplina que se preocupa com a produção, recepção e interpretação de textos a partir de um enfoque sociocognitivo. Nas palavras de Marcuschi (1983, p. 12), a teoria é definida como “o estudo das operações linguísticas e cognitivas reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais". A partir desse pensamento, é possível perceber o envolvimento do estudo à LT em sala de aula, dado que é nela que se encontra um celeiro de interações, onde se constroem ou se lapidam entendimentos, compreensões e produção de escritas e de oralidade, visto que o conceito de texto é compreendido a partir da noção de interação entre sujeito(os) e texto(os).
Nessa concepção interacional, Koch e Elias (2014a) mencionam que os sujeitos são vistos como seres ativos e construtores sociais. Conforme Cavalcante (2013, p. 19), os escritores de textos “são atores sociais levando em conta o contexto sociocomunicativo, histórico e cultural para a construção dos sentidos e das referências dos textos”. Koch e Elias (2014a, p. 11) afirmam que:
Na concepção interacional da língua, o texto é considerado o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores. Há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação. [...] o sentido de um texto é construído na interação texto- sujeitos e não algo que preexista a essa interação.
Em vista disso, ao se trabalhar com a leitura, compreensão e produção escrita, deve-se refletir sobre o objetivo principal, o desenvolvimento ou a intermediação dos conhecimentos dos alunos, uma vez que eles são sujeitos que encontram-se em formação e que, fora dos muros da escola, existe uma gama infinita de acesso à diferentes tipos de informação. Por isso, o professor de linguagem precisa definir como finalidade a construção de momentos de discussão e reflexão sobre o uso da língua em sala de aula. De acordo com Gonçalves e Motta (2018, p. 90):
A LT colabora muito para o ensino e aprendizagem na aula de língua portuguesa, uma vez que o foco do ensino está centrado no texto e, nessa perspectiva, demanda que o professor não utilize o texto apenas como pretexto em suas atividades, pois faz-se necessário desenvolver com os alunos habilidades tanto de leitura quanto de escrita, bem como refletir sobre as diferentes situações comunicativas postas na interação entre sujeitos.
Ao propor que o estudante realize uma reflexão sobre o texto, o professor deixa de ser o centro e passa a mediar o conhecimento em sala de aula, tornando a aprendizagem mais dinâmica e fazendo com que seu aluno seja protagonista de seu conhecimento. Dessa forma, o trabalho com base na LT possibilita que o ensino da linguagem seja além da gramática e que não utilize o texto para pretexto, e sim como objeto de estudo para ser explorada não só a gramática, mas também a leitura e a produção textual. Na seção seguinte, apresentar-se-á o trabalho com a leitura na perspectiva da LT, considerando os conhecimentos que são mobilizados nesse momento.
2.2 O trabalho com a leitura na perspectiva da LT
Refletir sobre o que está sendo proposto em sala de aula é relevante para que se possa aperfeiçoar tanto a aprendizagem quanto o ensino. Como já mencionado, abordar-se-á o ensino da leitura a partir de uma atividade do gênero textual tirinha. Nesse referente, Koch e Elias (2014a, p. 12) afirmam que:
A leitura é o processo no qual o leitor realiza trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem [...]. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência.
É impossível pensar no processo de ensino e aprendizagem sem imaginar um sistema educacional no qual a leitura não esteja presente, uma vez que é possível desenvolver através dela a formação de bons leitores e de sujeitos construtores de sua própria opinião e de outrem. Logo, segundo Freire (2002, p. 11), a “linguagem e a realidade se prendem dinamicamente, a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre texto e o contexto”.
Além disso, Cavalcante (2013) afirma que o sentido de um texto não se dá apenas pelos significados das palavras, mas está em constante interação entre locutor-contexto-interlocutor. Segundo a autora, o texto é um evento comunicativo em que estão presentes os elementos linguísticos, os visuais - que contemplam a linguagem verbal e não-verbal-, os sonoros, os fatores cognitivos, dentre outros aspectos (CAVALCANTE, 2013). Portanto, o texto é também um evento de interação entre locutor e interlocutor, os quais se encontram em um diálogo constante.
Novamente, Koch e Elias (2014aa) mencionam que, no momento da atividade com leitura e produção de sentido, colocam-se em ação várias estratégias sociocognitivas, as quais realizam-se por meio do processamento textual. Conforme as autoras, o processamento textual mobiliza uma série de conhecimentos que estão armazenados na memória e, portanto, a leitura e a produção de sentidos de um texto levam o leitor a utilizar as estratégias sociocognitivas. Devido a isso, esse processamento depende essencialmente de uma interação entre produtor e leitor, e mencionar que ele é estratégico significa dizer que, no momento da leitura, realizam-se pequenos cortes que funcionam como entradas, a partir dos quais se elaboram hipóteses de interpretação.
As estratégias de processamento textual, conforme Koch (2015, p. 38), “implicam a mobilização on-line dos diversos sistemas de conhecimento”. Na interação entre os sujeitos, o processamento estratégico depende não só das características textuais, mas também das características que os usuários da língua carregam consigo, como seus objetivos, propósitos no momento da comunicação e seus conhecimentos de mundo.
Ainda de acordo com Koch e Elias (2014a), no processamento textual, recorre-se a três grandes sistemas de conhecimento: linguístico, enciclopédico e interacional. O conhecimento linguístico refere-se ao conhecimento gramatical e lexical, no qual compreende-se a organização do material linguístico na superfície textual; o uso dos meios coesivos para efetuar a remissão ou sequenciação textual; e a seleção lexical adequada ao tema ou aos modelos cognitivos ativados. Já o conhecimento enciclopédico refere-se a conhecimentos gerais sobre o mundo, bem como a conhecimentos alusivos a vivências pessoais e eventos espaço-temporalmente situados, permitindo a produção de sentidos.
Por fim, o conhecimento interacional refere-se às formas de interação por meio da linguagem e engloba os conhecimentos ilocucionais, que permite reconhecer os objetivos pretendidos pelo produtor do texto; o conhecimento comunicacional que diz respeito à quantidade de informação necessária, em uma situação comunicativa concreta, para que o parceiro seja capaz de reconstruir o objetivo da produção de texto, a seleção da variante linguística adequada a cada situação de interação e a adequação ao gênero textual; o conhecimento metacognitivo que permite ao locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação pelo parceiro dos objetivos com que é produzido e o conhecimento superestrutural permite a identificação de textos como exemplares adequados aos diversos eventos da vida social.
Dado que os conhecimentos supracitados contribuem para uma leitura e compreensão adequada sobre o texto, é importante que eles sejam mobilizados nas atividades com leitura. Na próxima seção, apresentar-se-á a importância de considerar os gêneros textuais no ensino da linguagem.
2.3 Gêneros textuais no ensino da linguagem
O professor de Língua Portuguesa precisa compreender que, através do trabalho com os gêneros textuais, é possível explorar a linguagem e seus diferentes usos, uma vez que o trabalho em sala de aula pode vir a ser mais dinâmico. Neste estudo, especificamente na LT, os gêneros apresentam-se como elemento fundamental para o ensino, já que é a partir deles que se pode explorar a leitura, mobilizando os conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e interacionais e, além disso, ampliar a maneira como o aluno percebe os diferentes textos na situação comunicativa.
Segundo Koch e Elias (2014b, p. 106) “os gêneros textuais são constituídos de um determinado modo, com uma certa função, em dadas esferas de atuação humana, o que nos possibilita reconhecê-los e reproduzi-los, se necessário”. Assim sendo, o tratamento do texto, a partir de um gênero textual, em sala de aula, deve ser encarado como uma proposta a mais no trabalho com a gramática, ou seja, uma atividade que pode estar mais próxima da realidade do aluno e que o motiva a refletir sobre o sentido do texto. Com isso, a mediação é considerada como um elemento fundamental no processo de ensino e aprendizagem. Para Vygotsky (2007), a aprendizagem ocorre quando o que se pretende ensinar é formado durante a interação social entre os sujeitos e que, ao ser mediada pela linguagem, forma pessoas críticas e democráticas.
Ao se tratar de medição, acredita-se que o professor precisa adotar em suas aulas a concepção interacional, visto que, através da intermediação que ocorre entre professor-conhecimento-alunos, momentos de trocas e reflexão sobre o processo de ensino e aprendizagem realizado na aula de Língua Portuguesa são mobilizados. Nesse sentido, a escola é um espaço que oportuniza momentos de reflexão e discussão sobre o que está sendo aprendido. Destacam-se as palavras de Foucambert (1994, p. 10):
A escola deve ajudar a criança a tornar-se leitor dos textos que circulam no social e não limitá-la à leitura de um texto pedagógico, destinado apenas a ensiná-lo a ler. Então, é preciso conhecer esses escritos sociais! A formação dos docentes deve priorizar o conhecimento sobre os escritos utilizados pelas crianças, bem como a observação das estratégias que as crianças utilizam, quer diante dos programas de televisão, dos textos da rua, da publicidade, quer diante dos jornais, das histórias em quadrinhos, dos manuais de instruções, dos documentários, dos álbuns, da ficção, etc.
Por conseguinte, pensar o trabalho com gêneros textuais é atentar para o objetivo que se pretende, a partir da exploração de tal tópico, é preciso que o professor saiba o sentido de trabalhar com os gêneros textuais, neste caso especial, a tirinha. Como destaca Santos (2009, p. 2307):
Percebe-se, portanto, que é necessário discutir de que maneira é possível incluir tipologia e gênero textual na elaboração de conteúdo programático e material didático. São poucos os livros que, de fato, abordam a produção de sentidos dos textos, com base nos gêneros. Além disso, não parece ter sido feita ainda uma sistematização da nomenclatura (tipologia, sequência, gêneros textuais, gêneros do discurso...) e falta pensar numa metodologia de ensino que abarque esses conceitos sem considerá-los tópicos do conteúdo programático. Assim, muitos livros didáticos refletem essa ausência de sistematização em propostas de leitura e produção textual que mascaram o tratamento dos gêneros textuais, e a abordagem de gêneros textuais diversificados, que tanto colabora na formação do leitor e produtor de textos, tem ficado prejudicada.
Desse modo, a metodologia adotada neste trabalho possui a abordagem qualitativa, uma vez que permite aos mediadores ofertarem em sala de aula novos estudos, buscando apresentar novas formas de investigação do contexto escolar. Na atividade aqui selecionada, buscou-se ressignificar os conhecimentos propostos com base na intervenção mediadora, isto é, a partir da investigação do ambiente escolar, considerando as dificuldades de aprendizagem dos estudantes.
Os autores Schneuwly et al. (2004) mencionam que, para cada nível de ensino, há um agrupamento dos gêneros, distribuídos no âmbito do narrar, do relatar, do argumentar, do expor e do descrever ações. Além disso, eles salientam a importância de adaptar a proposta de dinamização em função do gênero escolhido para o estudo, pois os textos apresentam características distintas. De acordo com Gonçalves e Motta (2018, p. 94), que mencionam sobre o papel do professor de Língua Portuguesa frente aos gêneros textuais, “pode explorar questões sintático-semânticas, propor reflexões e atividades de compreensão sobre os aspectos ligados ao gênero e a seu propósito comunicativo”. Por isso, o docente, ao explorar tais tópicos, favorece uma leitura reflexiva e significativa ao educando. No presente estudo, a atividade analisada pertence ao gênero tirinha, caracterizado por um texto com enunciados curtos, geralmente constituídos por balões que sinalizam a fala dos personagens. Nela, também podem aparecer imagens que auxiliam na compreensão textual.
Dessa maneira, ao se trabalhar em sala de aula o tópico gramatical-verbos, enquanto professoras mediadoras da aprendizagem, deve-se buscar, através deste gênero, contribuir para a aprendizagem dos estudantes, explorando no texto as habilidades e competências não só gramaticais contidas no livro didático, mas também ampliando a discussão para interpretação e compreensão da tirinha. Vale destacar que é necessário valorizar nas atividades os conhecimentos prévios que os estudantes possuem internalizados, uma vez que a compreensão da tirinha mobiliza tanto os conhecimentos linguísticos quanto o humor que ela busca apresentar. Convém destacar Ramos (2009, p. 187):
[...] não se pode compreender o sentido de humor presente num texto sem que o conteúdo seja lido e entendido. Humor e entendimento textual são elementos interligados, um depende do outro. Nesse sentido, ler piadas, crônicas, tiras e outros textos com temática cômica pode ser um elemento importantíssimo para exercitar a capacidade de intelecção dos estudantes.
Todos esses benefícios construídos a partir das tirinhas e da mediação do professor em sala de aula não encerram o ciclo de aprendizagem, já que a linguagem presente nesse gênero textual também enriquece o trabalho educacional. Deve-se através dela valorizar os conhecimentos prévios dos estudantes durante a discussão e problematizar o conteúdo gramatical, buscando auxiliar os estudantes na compreensão da tirinha . Sendo assim, analisa-se como a atividade com a leitura foi abordada na tirinha proposta pelo livro didático, com o intuito de verificar se este explorou os conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e interacionais que foram mobilizados na leitura e se favoreceu a apuração de tais conhecimentos armazenados na memória do leitor/estudante considerando a materialidade dos elementos linguísticos presentes na superfície do texto. Na seção seguinte, apresentar-se-ão a análise e a discussão da atividade.
3 Resultados
Diante da discussão realizada ao longo deste trabalho e do objetivo proposto, analisou-se a atividade de leitura disposta no livro didático de Língua Portuguesa, cujos personagens principais pertencem à Turma da Mônica, de Maurício de Souza. Por se considerar o trabalho com a leitura uma tarefa que pode ser aperfeiçoada cada vez mais pelos professores, elegeu-se a atividade, supracitada, a fim de contribuir para um olhar reflexivo sobre o ensino da leitura, a partir deste gênero textual. Destaca-se que os resultados aqui apresentados são referentes às atividades que foram elaboradas para a turma do 7º ano do Ensino Fundamental, considerando o livro didático utilizado nas aulas de Língua Portuguesa. Além disso, a série escolhida se deu pelo fato de ambas as professoras pesquisadoras atuarem com essa série em comum em suas escolas.
A tirinha e suas respectivas atividades encontram-se na página 50 do livro didático e vale ressaltar que a atividade escolhida apresenta quadrinhos com personagens conhecidos pelas crianças e por se considerar que o gênero textual em questão pode ser explorado além do que o livro proporciona ao estudante. Acredita-se que a escolha do conteúdo, verbos, a partir do gênero referido, e por tratar-se de personagens conhecidos, os que compõem a história, auxiliou aos estudantes tanto na reflexão sobre o tema como na compreensão.
As questões que antecedem a tirinha no livro didático são compostas por frases isoladas que abordam somente a substituição do tópico gramatical e a atividade proposta após a leitura explora apenas o conhecimento linguístico (gramatical) dos estudantes, pois compreende apenas a materialidade linguística. Ademais, cabe salientar que o livro apresenta um quadro com dicas de conjugação verbal, que auxilia aos alunos no momento de completar o exercício, não permitindo que eles reflitam sobre o uso correto de cada verbo e sua adequação ao contexto de cada frase e não valorizando os conhecimentos prévios deles. Percebe-se, também, que as questões não mobilizam conhecimentos enciclopédicos e interacionais, visto que não incitam os estudantes à reflexão sobre aspectos de seu cotidiano.
A análise realizada foi apenas da atividade referente à tirinha, que encontra-se na seção do livro didático referente ao conteúdo de “verbos irregulares no subjuntivo”. Na Figura 1, para melhor localizar o leitor, encontra-se a tirinha com suas respectivas questões.
De acordo com o observado, em relação à atividade da tirinha, o livro propõe duas questões referentes aos verbos no subjuntivo, porém em nenhum momento foi possível perceber questionamentos sobre a compreensão dos alunos acerca da leitura. É possível afirmar que apenas conhecimentos linguísticos são solicitados pelo livro, pois não há questões que compreendam os conhecimentos enciclopédicos e interacionais dos estudantes, conforme propõem Koch e Elias (2014a) em trabalhos que envolvam a leitura.
A estratégia de ocultar os verbos das falas dos personagens, de certa forma, instiga os alunos a pensarem sobre qual verbo é adequado para complementar a fala, considerando o contexto, porém, no momento de explorar o gênero, as questões encontram-se apenas no âmbito gramatical. Nesse sentido, percebe-se que, na atividade 1 da tirinha, o aluno precisa apenas realizar a escolha linguística, considerando o verbo “ter” e “escolher” no tempo verbal solicitado, sendo que, para a realização desse exercício, os alunos devem possuir o conhecimento sobre os verbos no modo subjuntivo. Já na atividade 2, entende-se que é solicitada uma reflexão sobre o uso do verbo “ter”, na fala da personagem, no modo subjuntivo. Compreende-se que os estudantes devem explicar o emprego do verbo considerando o enunciado, mobilizando, assim, suas capacidades linguísticas e analisando a intenção comunicativa pretendida no texto.
O que se pode afirmar sobre as questões referentes à tirinha além da abordagem, apenas dos conhecimentos linguísticos dos alunos, é de que ela não considera todas as possibilidades que podem ser trabalhadas ao se explorar o uso desse gênero textual em sala de aula como: atividades que instiguem aos estudantes a pesquisar, a explorar o conhecimento de mundo e que considerem o contexto no qual estão inseridos os personagens. Os exercícios que se analisou podem ir além de compreender o uso do vocabulário e o conteúdo linguístico que o gênero textual apresenta, é possível explorar os conhecimentos prévios dos estudantes, assim como os gramaticais, considerando a situação comunicativa, o propósito do texto, as informações contidas na interação entre os personagens, a escolha da variante linguística explorando o gênero textual em questão, enfim, ir além do linguístico e mobilizar também os conhecimentos enciclopédicos e interacionais que Koch e Elias (2014a) mencionam.
Outrossim, constata-se que os exercícios não questionam os alunos sobre o contexto dos personagens e sobre uma provável interpretação da situação, dado que, ao indagar Cebolinha sobre uma possível namorada, os alunos que conhecem a história farão uso de seus conhecimentos prévios ao recordar que Cebolinha é apaixonado por Mônica. É possível perceber, também, que o livro faz uso da tirinha apenas para tratar do conteúdo de verbos, explorando o conhecimento linguístico e desconsiderando, assim, a história dos personagens, a situação comunicativa e o gênero textual. Dessa maneira, não houve exploração da leitura e nem da escrita.
Em vista disso, considera-se relevante expor o quanto pode ser importante o papel do professor frente às atividades propostas, como mediador ao questionar seus alunos sobre os personagens, contexto em que ocorre e o tema que este gênero textual propõe, desenvolvendo, desse modo, um ambiente de reflexão e de troca de conhecimentos entre os alunos.
A partir de tal análise, reforça-se a ideia de como a leitura pode contribuir para o processo de ensino e aprendizagem, considerando os preceitos da teoria de leitura pela LT. Assim, na seção seguinte, realizar-se-á uma nova proposta de atividade, a partir do gênero analisado, resgatando os conceitos de leitura tratados na LT, que podem ser mobilizados em uma atividade de leitura.
3.1 Proposta de atividade, a partir do gênero tirinha
Com base na análise realizada na seção anterior, acredita-se que é possível propor outras questões que possam enriquecer a tirinha analisada. Considera-se relevante, antes de expor a proposta de atividade, comentar sobre a mediação em sala de aula, através da teoria de Vygotsky (2007). Tal teoria trata da relação do indivíduo com o mundo, a qual é realizada por meio de instrumentos técnicos e da linguagem, trazendo consigo conceitos consolidados na cultura a qual pertence o sujeito e na qual todo aprendizado deve ser mediado. Com isso, tornando o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante. Através dessa perspectiva, o professor deve atuar como mediador para desempenhar um bom trabalho escolar.
O educador pode questionar o aluno sobre os possíveis finais que poderiam ser abordados e o tipo de linguagem utilizada, partindo dos conhecimentos anteriores em relação à história e personagens presentes na tirinha. Além disso, tratar a questão do gênero, o propósito comunicativo e entre outros fatores que podem ser explorados a partir do texto verbal e não-verbal. Acredita-se que antes de iniciar as atividades, é importante situar os alunos sobre o contexto, o qual o texto trabalhado pertence, o que, de certa forma, pode auxiliar na compreensão da situação comunicativa da tirinha.
Por conseguinte, a proposta é de que, antes de serem abordadas questões que apenas exijam conhecimento gramatical, que sejam trabalhados os conhecimentos de mundo dos alunos, valorizando seus conhecimentos prévios e suas experiências, para assim incentivar a troca de conhecimentos entre alunos e professor e aluno-aluno. Concebe-se que é relevante que ocorra a interação, para que os estudantes possam perceber a função dialógica da linguagem, a qual adapta-se e modifica-se de acordo com as situações comunicacionais.
Os educadores precisam, ao invés de trabalhar com os alunos atividades de práticas mecânicas com a linguagem, optar por percursos de criação e propor oportunidades de reflexão, que coloquem os estudantes como sujeitos, autores de sua própria voz e de seus pensamentos. Os professores de Língua Portuguesa devem oportunizar situações em que os alunos possam estar envolvidos nas atividades propostas, na construção do conhecimento, na troca de experiências, respeitando, dessa forma, as diferenças na convivência em grupo.
Considerando os conceitos de leitura, abordados na LT, apresenta-se, a seguir, a proposta de atividade com o gênero tirinha reformulada. Destaca-se que serão mantidas as questões um e dois de abordagem linguística, já propostas pelo livro didático, e que o objetivo dessa proposta é potencializar uma atividade que encontra-se no livro didático (Figura 2).
Para melhor localizar e encaminhar o leitor para a análise e discussão da ampliação da atividade, buscou-se organizar a proposta a partir de uma sequência didática. A primeira etapa refere-se à provocação, que instiga os estudantes a realizarem uma reflexão sobre o gênero textual abordado e os personagens da história; a segunda trata da leitura e interpretação do gênero tirinha, na qual as questões um e dois pertencem ao livro didático e as demais questões foram elaboradas pelas pesquisadoras após estudos à LT.
3.2 Tópico: verbo e gênero tirinha
1ª Etapa: PROVOCAÇÃO - Por meio das questões elaboradas e apresentadas a seguir, buscou-se incentivar os alunos à reflexão.
- Você conhece o gênero textual tirinha?
- Você já leu histórias em tirinhas? Se sim, qual(is)?
- Você já ouviu falar ou leu algo sobre a Turma Mônica e suas histórias?
- Quem são os personagens da Turma da Mônica?
2ª Etapa: LEITURA E INTERPRETAÇÃO, A PARTIR DO GÊNERO TIRINHA
Leia a tirinha a seguir (Figura 3) e responda às questões com muita atenção.
- 1) Na tirinha, foram suprimidas duas formas verbais.
- a) Qual seria a primeira delas, considerando-se que trata o verbo ter no pretérito imperfeito do subjuntivo?
- b) Qual seria a segunda, considerando-se que trata do verbo escolher no futuro do pretérito do indicativo?
- 2) Por que Cascão emprega o verbo ter no modo subjuntivo?
- 3) Que situação está sendo apresentada na tirinha?
- 4) Você conhece as personagens dos quadrinhos? Se sim, saberia descrever algumas características sobre eles?
- 5) Observe que, no primeiro quadrinho, Cascão questiona Cebolinha sobre quem seria o “seu tipo inesquecível”. Qual a intenção de Cascão com essa pergunta? Por quê?
A partir das discussões que o trabalho propôs, pautando-se nos estudos da LT, foi possível ampliar a atividade presente no livro didático (atividade da segunda etapa - questões 1 e 2). Segundo Koch e Elias (2014a), a leitura é uma atividade de produção de sentidos baseada na interação autor-texto-leitor. Sendo assim, foram propostas, nesta seção, atividades que mobilizassem tanto os conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e interacionais presentes no processamento textual, como também levar em conta a interação entre autor-texto-leitor.
Vale ressaltar que optou-se por separar a atividade em etapas para melhor localizar o leitor. Na primeira etapa, denominada de “provocação”, sugeriu-se que seja realizada oralmente com os alunos, a fim de introduzir o trabalho com o gênero, e para que sejam mobilizados o conhecimento interacional superestrutural, por meio da questão “a” (“você conhece o gênero textual tirinha”) e o conhecimento enciclopédico, como é possível confirmar nas questões “b” (“Você já leu histórias em tirinhas? Se sim, qual(is)?”), “c”(“Você já ouvir falar da Turma da Mônica e de suas histórias?”) e “d” (“Quem são os personagens da Turma da Mônica?”)
Na segunda etapa, a qual refere-se à leitura e a interpretação, são mobilizados conhecimentos linguísticos, como foram identificados na análise, e também conhecimentos enciclopédicos, como se pode constatar nas questões “3” (“Que situação está sendo apresentada na tirinha?”) e “4”(“Você conhece as personagens da tirinha? Se sim, saberia descrever algumas características sobre ele?”), e interacional metacomunicativo na questão “5” (“Observe que no primeiro quadrinho, Cascão questiona Cebolinha sobre quem seria o “seu tipo inesquecível”. Qual a intenção de Cascão com essa pergunta? Por quê?). Dessa maneira, além de considerar a presença gramatical na tirinha, também foram considerados o contexto e o propósito da intenção comunicativa.
Nesse sentido, partindo do princípio de que o texto é lugar de interação entre os sujeitos e que o professor é o mediador do conhecimento em sala de aula, foi possível realizar uma proposta de atividade de leitura com o gênero textual tirinha que mobilizasse os conhecimentos que são abordados na LT. Além disso, percebe-se que a base teórica mencionada nas referências deste artigo foi preponderante para encaminhar as discussões da análise, como também no momento de desenvolver e propor as questões para a atividade.
4 Considerações finais
Em síntese, neste artigo, atingiu-se o objetivo de analisar a proposta de atividade de interpretação com o gênero tirinha e ampliá-la. Isso foi possível, acerca da análise, dos estudos e das contribuições significativas para o ensino da leitura em sala de aula, considerando os preceitos da LT, em que é relevante considerar no processamento textual os conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e interacionais. Desse modo, a partir da discussão proposta, é possível afirmar o quanto o trabalho com a leitura é importante para desenvolver o pensamento crítico dos estudantes e tornar a sala de aula mais interativa e, por conseguinte, mais produtiva.
Além disso, ficou claro que o processo de ensino e aprendizagem em sala de aula deve ser composto por muita reflexão. Para isso, é preciso ir além e, neste caso, foram realizadas adequações nas atividades do livro, a fim de que a leitura fosse explorada e a aprendizagem do estudante não ficasse limitada apenas ao conteúdo gramatical. A reflexão e a análise sobre a atividade referida permitiram ampliar e promover outras discussões com os educandos.
Em vista disso, o professor pode trabalhar com o reconhecimento do tema (assunto), o estilo verbal (como a escolha do vocabulário a ser empregado) que caracteriza o gênero textual, assim como tornar a aula um ambiente de troca de conhecimento em que os estudantes deixam de ser passivos e passam a ser autores do conhecimento adquirido. Na análise realizada, foi importante refletir sobre o planejamento do professor, bem como sobre o trabalho com a leitura e as atividades propostas no livro didático e isso serviu para compreender que, por meio do gênero tirinha, muitas atividades de leitura, assim como os conhecimentos prévios dos alunos, podem ser exploradas.
Destaca-se, também, que, assim como nos livros didáticos, as aulas de Língua Portuguesa não devem se limitar apenas aos conhecimentos linguísticos, com base nas regras gramaticais, é preciso contribuir de maneira significativa para a construção da aprendizagem dos estudantes, permitindo que estes utilizem e compartilhem seus conhecimentos em sala de aula. Desse modo, propôs-se que o ensino da língua seja norteado a partir do texto, considerando este como um lugar de interação, que permita aos alunos o contato com os diferentes gêneros e suas situações de produção. De acordo com Bakhtin (1997), quanto mais os falantes dominam os gêneros, maior é a liberdade de utilizá-los, isto é, considerando as competências linguísticas e visuais que os gêneros textuais dispõem para se realizar um trabalho enriquecedor em sala de aula.
Portanto, o trabalho com a leitura precisa ser realizado considerando os conhecimentos que estão armazenados na memória dos alunos, que tais atividades possam explorar além dos elementos linguísticos e passem a englobar questionamentos que levem os estudantes/leitores a refletirem e questionarem sobre o que estão lendo, construindo possibilidades para tornarem-se sujeitos reflexivos e críticos. Nesse sentido, ressalta-se a importância de o professor conhecer a teoria da LT para o ensino, reflexão, sistematização da aprendizagem em sala de aula e para elaboração de seus planos de trabalho.
Destarte, o olhar prudente sobre a prática pedagógica mobiliza conhecimentos e auxilia os professores a potencializarem as atividades presentes nos livros didáticos e, por meio desta análise, foi possível perceber que ainda há muito a melhorar em se tratando de atividades que explorem a leitura em sala de aula.
Abstract
Main Text
1 Introdução
2 Pressupostos teóricos
2.1 A linguística do texto e o ensino
2.2 O trabalho com a leitura na perspectiva da LT
2.3 Gêneros textuais no ensino da linguagem
3 Resultados
3.1 Proposta de atividade, a partir do gênero tirinha
3.2 Tópico: verbo e gênero tirinha
4 Considerações finais


