Typesetting
Thu, 30 Nov 2023 in Domínios de Lingu@gem
A literatura no ensino de Língua Inglesa: uma abordagem interacionista
RESUMO
Nesta pesquisa1 dimensionamos o ensino de literatura vinculado ao ensino de línguas, por meio uma formação interacionista, como elemento significativo que permite escolarizar e desenvolver saberes sociais do aluno. Como aporte teórico, revisamos estudos realizados acerca do ensino/aprendizagem de Língua Inglesa, com ênfase no uso da literatura em contextos escolares, apoiando-nos em Brumfit e Carter (2000), Candido (2011), Collie e Slater (1987), Lazar (1993), Mota (2010), associando-os às teorias de aprendizagem interacionista de línguas adicionais, conforme os estudos de Bruner (1977), Figueiredo (2006), e Vygotsky (2015). Como caminho metodológico, realizamos a coleta de material empírico a partir de questionários aplicados a professores de Língua Inglesa da educação básica de uma cidade no interior do Estado de Goiás. A análise foi fundamentada em métodos qualitativo-interpretativistas, a fim de investigar a interação socioverbal no campo do ensino das línguas. De acordo com os resultados obtidos, afirmamos a validade da literatura no ensino da Língua Inglesa, por ser um material que apresenta potencial para a aplicação de um trabalho sob a vertente interacionista, permitindo ao aluno interagir com a língua-alvo, preconizando uma mediação ampliadora dos conceitos, servindo à construção de saberes linguísticos e proporcionando acesso a bens culturais da humanidade.
Main Text
1 Introdução
Um dos papéis do ensino de Língua Inglesa consiste em possibilitar o exercício da leitura, ampliando o leque de oportunidades comunicativas para o aluno. Consequentemente, é possível afirmar que o ato de ler está relacionado ao uso da língua aprendida, bem como ao mundo a que ela pertence. Nesse contexto, o presente estudo versa sobre como a utilização da literatura pode servir como instrumento para o ensino/aprendizado da Língua Inglesa (doravante LI).
A decisão por essa temática adveio da reflexão sobre o ensino de LI a partir da leitura de textos literários, inserida na prática docente das pesquisadoras. Buscamos um viés educacional que utilize a literatura como ferramenta para a promoção do ensino/aprendizagem significativos de LI. À vista disso, o presente estudo visa responder de que forma a literatura serve de instrumento para o ensino/aprendizado da Língua Inglesa, em uma formação interacionista. Ressaltamos que um dos papéis do ensino de LI consiste em possibilitar o exercício da leitura, ampliando o leque de oportunidades comunicativas para o aluno. O ato de ler relaciona-se ao uso da língua aprendida, bem como ao estabelecimento de relações com o mundo ao qual aquela pertence.
Sabemos que a literatura foi amplamente utilizada pelo Método Gramática e Tradução nas aulas de línguas adicionais, essencialmente em um emprego atrelado às atividades de tradução e memorização, cujos usos foram posteriormente abandonados sob um viés científico. Atualmente, a leitura literária passou a assumir uma concepção ainda mais pertinente ao trabalho escolar, tendo em vista a sua função de prática contextual e significativa, também presente em outras disciplinas para além das linguagens. Ademais, entendemos que “uma das funções da leitura é nos preparar para uma transformação e a transformação final tem caráter universal” (Bloom, 2001, p. 17).
No entanto, apesar da dita pertinência do trabalho com literatura, não é incomum que, em cursos de graduação e pós-graduação na área de linguagens, haja uma separação entre os estudos de linguagem e da literatura. Um posicionamento que, por vezes, desconsidera que o aprendizado de uma língua reside na capacidade de o aluno atribuir e produzir significados – meta última do ato de linguagem –, e que delega, em consequência, pouca relevância ao uso de textos literários como metodologia de ensino de LI.
Contrariamente a essa divisão, consideramos que a literatura possui uma relação inegável com a linguagem, ainda mais diante do potencial das línguas de oferecer experiências humanas significativas e ampliar a compreensão de mundo (Brumfit; Carter, 2000; Mota, 2010). Em conformidade com essa ideia, Brumfit e Carter (2000) postulam que a escolha do texto literário como material didático garante ao ensino de LI um papel pedagógico, uma extensão da linguística e uma adição cultural, atribuindo, por conseguinte, relevância à aprendizagem. Portanto, nesta investigação, suscitamos reflexões quanto às potencialidades educacionais e limitações da literatura no ensino de LI, pontuando seu uso para a construção de saberes estruturais da língua-alvo e sua dimensão de acesso aos bens culturais da humanidade.
Para os fins organizacionais, o presente artigo encontra-se dividido em três partes. Na primeira, abordamos brevemente os procedimentos metodológicos para a geração do material empírico aqui discutido. Na segunda, discutimos as contribuições da literatura para a sala de aula de LI sob um prisma interacionista. Posteriormente, na terceira seção, discutimos o material empírico selecionado para este texto, refletindo sobre as possibilidades de desenvolvimento cognitivo, pessoal e social oferecidas pela literatura, ao ser utilizada como ferramenta para propiciar estímulos à formação integral do aluno.
2 A literatura em LI como ferramenta de abordagem interacionista
Uma proposta de ensino de LI orientada pelo viés formador da leitura interacionista defende, notoriamente, a utilização de atividades conscientes que superem o preenchimento de lacunas e resultem na capacidade de estabelecer relações comunicativas. Desse modo, mostra-se importante perspectivar a literatura como uma ferramenta para teorizar a utilização de um ideário interacionista de modo a oportunizar ao aluno perguntar, criticar e interagir com e em LI (Babaee; Yahya, 2014).
Os textos literários constituem caminhos para a compreensão de conceitos sociais, culturais e históricos inerentes à literatura, aspectos relacionados com sua função humanizadora (Candido, 2006). Assentes nesses direcionamentos, entendemos a literatura a partir de um conceito sociocultural, de modo a apresentá-la, neste estudo, como uma proposta à fundamentação de uma educação formativa e reflexiva de LI. Por conseguinte, é inegável a validade do uso da literatura na sala de aula de LI como ponte para um ensino/aprendizagem interacionista.
De acordo com Vygotsky (2015), nossa relação do homem com o mundo não é direta, mas mediada por “ferramentas” que podem ser criadas exclusivamente pela espécie humana. Com base nos construtos expostos até o presente momento, entendemos o texto literário como uma ferramenta da atividade humana capaz de possibilitar ao aluno a vivência de situações-problemas que propiciem estruturar conhecimentos e conceitos por meio de símbolos linguísticos – que remetem a marcas externas, objetos, eventos e situações do mundo real. O contato dos conhecimentos internos do aluno com os elementos expostos nos textos – e a consequente representação que carregam – reestrutura, processa e transforma as primeiras noções da língua em conhecimentos mais efetivos, consolidando competências de usos linguísticos e de saberes socioculturais.
Partindo do pressuposto de que “[o] mundo criado da ficção retrata situações contextualizadas, e isso revela gradualmente os códigos ou suposições que moldam essa interação”2 (Collie; Slater, 1987, p. 3, tradução nossa), podemos considerar que as atividades literárias se internalizam com o processo interativo. Segundo Langer (1994), estas podem ser divididas em duas etapas, a de “iniciar” e a de “continuar” a experiência literária:
Em conformidade com essa proposição, definimos o específico uso do texto literário como um processo de manutenção, continuidade e extensão da capacidade do aluno de elaborar opiniões críticas, avaliações pessoais e reflexões sobre a natureza do mundo ao qual o texto pertence. Ao ler, o aluno relaciona-se com informações históricas, sociais, culturais, econômicas, entre outras, as quais pertencem ao universo do nativo em um determinado contexto.
Esse processo, que envolve contemplação, análise e interpretação, estabelece uma relação de influência mútua entre aluno e texto. Assim, torna-se possível que o aluno atribua sentido ao aprendizado e relacione esses saberes a si e a sua própria cultura, de modo que a literatura expresse conhecimentos que superem os muros da escola. Nesse sentido, ressaltamos, também, o papel social da literatura, que “exprime o reconhecimento coletivo da sua atividade, que deste modo se justifica socialmente” (Candido, 2006, p. 85).
De forma distinta da função referencial, que entende a comunicação no nível informacional, a linguagem representativa da literatura considera a comunicação a partir da interação, do envolvimento de sentimentos e percepções do mundo real (Babaee; Yahya, 2014). Portanto, apesar de ficcional, entendemos a literatura, em concordância com Mota (2010), como um meio de “representações que auxiliariam, sobremaneira, no processo de leitura de mundo e de conhecimento de si e do outro, que suscitariam no aprendiz a compreensão sobre a relação entre os conteúdos aprendidos em uma aula de idiomas e o contexto que o envolve” (Mota, 2010, p. 104).
Nesse sentido, reforçamos a evidência do uso da literatura como elemento promotor de desenvolvimento das habilidades da língua, articuladas à participação dos alunos em um contexto de maior interação. Contudo, diante da possibilidade de que as duas áreas (língua e literatura) se misturem, Aebersold e Field (1997) ressaltam que o uso do texto literário na sala de aula de LI deve ser, inegavelmente, tomado como um recurso didático cujo objetivo maior seja a promoção de saberes da língua. De tal forma, as autoras afirmam que “[s]e você decidir usar textos literários nas aulas de inglês como segunda língua, ou como língua estrangeira, lembre-se que o objetivo não é que os alunos estudem literatura, é planejar aulas voltadas aos textos literários, estabelecendo objetivos focados no aprendizado da língua4 (Aebersold; Field, 1997, p. 163, tradução nossa).
Essa proposição não parte de um entendimento de que o texto literário deve funcionar como mera ferramenta utilizada ao ensejo formativo estrutural da língua. Ao contrário, a afirmação de Aebersold e Field (1997) reconhece o mérito presente nos textos literários, mas sugere um cuidado no planejamento e na organização dos objetivos da aula. Assim, essa proposta se relaciona com uma atenção necessária para que o trabalho com o recurso literário não se desvirtue a uma linha de estudo enfocada na teoria literária propriamente dita – como a história da literatura, o estudo das escolas literárias e de estilo individual ou de época. Portanto, consideramos esse cuidado pertinente à aplicação de literatura no ensino de LI, especialmente diante da proximidade das áreas e da facilidade com que os enfoques podem se desviar.
Sob esse ângulo, reafirmamos e enfatizamos que, embora direcionados ao objetivo de uma aula de LI, os textos literários ainda devem ser trabalhados interdisciplinarmente, de modo a integrar a estrutura da língua e seus aspectos socioculturais. Assim, esses textos necessitam se articular como atividades de linguagem, visto que a linguagem consiste numa atividade humana e assim também se representa a literatura. Portanto, como aprendizes da LI mediados por uma abordagem interdisciplinar dos textos literários, os alunos, entrando em contato com materiais autênticos, podem ser convidados a interagirem, confrontarem e construírem saberes.
Igualmente, compreendemos que o uso da literatura no ensino de LI, além de promover o contato com recursos linguísticos – através das aplicações gramaticais, semânticas e estilísticas nos textos orais e escritos – e uma expansão do conhecimento de mundo – por meio da representação de diferentes culturas, tradições, sociedades e pessoas –, no contato com um mundo ficcional repleto de maravilhas e mistérios, é, também, capaz de estimular o aluno a “interagir com os textos e produzir significados e contribuir para a sua formação como leitor” (Yamakawa, 2013, p. 180). Por conseguinte, esse aluno/leitor adota a leitura literária como uma situação de interação verbal com o texto e “cria um contexto de experiência literária” (Langer, 1994), construindo conexões pessoais, históricas, culturais ou conceituais e oferecendo possibilidade de exploração das relações entre texto, literatura e vida.
A esse respeito, McGee (2001, p. 2-3, tradução nossa) afirma que:
Reforçamos, assim, a condição interacionista da literatura na sala de aula de LI, posto que o texto se mostra capaz de, no ato da leitura, oferecer ao aluno aplicações linguísticas (gramaticais, lexicais, semânticas e estilísticas), conhecimentos sobre diferentes culturas, tradições, sociedades e pessoas, além de contato com um mundo ficcional repleto de maravilhas e mistérios que suscitam emoções, reações e ideias. Na outra mão, o aluno/leitor codifica interpretações baseadas em conhecimentos pessoais, além de utilizar a imaginação para promover o raciocínio criativo e, consequentemente, desenvolver a capacidade de pensamento crítico. Essa abordagem, aplicada à literatura, “amplia os horizontes dos aprendizes e os torna conscientes de outras culturas, além de desenvolver suas habilidades de comunicação intercultural”6 (Babaee; Yahya, 2014, p. 84, tradução nossa).
Devido à riqueza linguística inegável das obras literárias, entendemos que outro fator determinante à abordagem interacionista ao ensino de LI se encontra no conteúdo cultural dos textos e em sua relevância potencial para a realidade de vida dos alunos (Aebersold; Field, 1997). Nesse ponto, ressaltamos a importância de uma escolha de material que considere os aspectos culturais a serem trabalhados pelo texto, de modo que permitam que a leitura se aproxime de uma atividade prazerosa ao aluno. Diante da relação com a realidade dos alunos, percebemos que os textos que apresentam assuntos centrais e relacionais com suas vivências, como relacionamentos, trabalho, adaptação cultural e música, despertam maior envolvimento e, consequentemente, promovem uma maior interação.
Assim, por meio do contato, o caráter interativo da literatura desdobra-se nas inferências de relações sistêmicas e esquemáticas inerentes ao texto e imprescindíveis à aprendizagem de LI. Portanto, a opção pelo uso do texto literário no ensino de línguas pode resultar na facilitação da aprendizagem da língua-alvo e seu uso, visto que os sujeitos constroem conhecimento linguístico ao passo que são munidos de repertório sociocultural relacionado. Dessa maneira, os alunos são postos em processo de interação com o texto e seus pares, aperfeiçoando suas habilidades comunicativas.
A literatura torna-se, portanto, um oportuno meio de interação, uma vez que
A partir da finalidade de leitura e compreensão, media-se o mundo do leitor e do autor, de maneira a desenvolver situações interativas pela capacidade discursiva e pelas situações comunicativas de aprendizagem. Assim, “os textos deveriam fazer uso de e ampliar o conhecimento de formas do aprendiz ao mesmo tempo que desenvolvem o seu conhecimento de uso, derivando da capacidade de leitura da habilidade de compreensão” (Widdowson, 2005, p. 127). Logo, uma atividade que promova o equilíbrio entre as considerações do autor, o contexto textual e a interpretação do leitor, define-se como prática que compreende a leitura como um fenômeno social (Leffa, 1996). Igualmente, consideramos que usar a literatura permite construir múltiplos significados, a serem elaborados e reelaborados mediante uma atividade que relacione autor-texto-leitor em unidades que favoreçam a natureza social da linguagem.
Portanto, por meio da experiência literária, o aluno lê e interage com a LI enquanto patrimônio linguístico e cultural de um povo. Essa variedade de premissas propicia a discussão sobre a cultura, de modo a abranger a visão de mundo do aluno e constituir uma ferramenta para a formação humanística. Embasando-nos em Candido (2011), afirmamos que o uso da literatura não só garante um rico material linguístico para a aula de LI, como assegura ao aluno o acesso democrático a bens culturais enquanto direitos, fomentando a construção de valores individuais e coletivos.
Desse modo, o uso da literatura como abordagem interacionista mostra-se essencial para que o aprendiz de uma nova língua observe as possibilidades de análise e compreensão dos mundos a ele acessíveis. Nesse sentido, essa abordagem configura-se como um recurso interessante na promoção de conexão de alunos com o texto, a língua, a cultura, o “outro” e o mundo. Uma vez que o trabalho com literatura no ensino de LI deva privilegiar a discussão quanto às possibilidades diversas de aprender a se comunicar na língua-alvo, a depender do contexto em que esse ensino se insere, apresentamos, no quadro abaixo, a síntese de um modelo de leitura interativa voltada para a sala de aula.
Com base na teorização apresentada, podemos enxergar a literatura como oportunidade de construção de opiniões e percepções, configurando-a como um instrumento potencial, permitindo atividades de interação que colocam o aluno como agente ativo do processo de aprender (Duff; Maley, 2003). Em consenso com os autores e, ainda, assentes na análise de Ataíde (2016), corroboramos as potencialidades da literatura na condução do trabalho com os aspectos sistêmicos da LI, ao passo que perspectivamos sua capacidade de influenciar a ótica pela qual os alunos concebem e transformam o mundo – síntese do compromisso social atribuído ao ensino de LI.
3 Procedimentos metodológicos
Destacamos que este trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa de análise interpretativista, a qual foi desenvolvida por meio de uma pesquisa de campo. A pesquisa qualitativa relaciona-se com a proposta de investigação que versa sobre a forma de analisarmos e interpretarmos os materiais empíricos do campo da educação.
A ação aqui abordada apresenta a coleta de materiais empíricos gerados a partir da participação de seis professores(as) da educação básica11, que tiveram a oportunidade de problematizar a literatura na sala de aula de LI. A geração de material ocorreu durante os meses de maio e junho de 2019, em seis escolas públicas e privadas da cidade no interior do estado de Goiás. Para apreender as percepções dos professores participantes, utilizamos questionários individuais semiabertos, com perguntas voltadas à área em estudo. A aplicação desse tipo de questionário visou colher material a partir de um grupo de respondentes envolvendo itens que possibilitam obter informações mais direcionadas com o objetivo do estudo.
A análise qualitativa foi realizada de forma a promover, primeiramente, uma leitura geral dos materiais colhidos, buscando encontrar categorias direcionadoras da análise. Em seguida, procedemos com uma leitura minuciosa, anotando impressões, com o propósito de incitar questionamentos e procurar conexões entre as partes. Por fim, fizemos a triangulação, a partir da qual as informações obtidas foram comparadas e contrastadas com o propósito de buscar temas, tópicos e padrões que se referem aos objetivos que guiaram esta pesquisa.
Com base na literatura apresentada, analisaremos as percepções dos participantes expressas nos instrumentos mencionados. Ademais, no campo da pesquisa qualitativa, a interpretação e a validação do material empírico fundamentou-se na atribuição de significado à informação recolhida, por meio do estabelecimento de relações e de compreensões (Moreira, 2002). Essa base interpretativa garante que obtenhamos, por meio da linguagem, uma reflexão condizente com as relações interacionais reais, envolvendo “uma perspectiva autocrítica e sensível aos contextos em que dados são gerados, o que envolve uma questão ética em relação a esse contexto e aos participantes da pesquisa” (De Grande, 2011, p. 24).
Desta forma, por se tratar de uma investigação da interação social e verbal no campo da linguagem centrada na investigação do processo de ensinar/aprender, conforme realizado nas salas de aulas de LI (Moita Lopes, 2003), essa proposta garantiu um debate sobre o objeto em questão, a fim de analisar as implicações dos resultados para a sala de aula, no intuito de atingir os objetivos apresentados e contemplar o processo ensino/aprendizagem.
4 Análise e discussão: literatura e os impactos na sala de aula de LI
No escopo de ratificar o ideário já concebido, em que entendemos a literatura como um instrumento apropriado para um trabalho que aborde o cunho estrutural e cultural da língua, propiciando às aulas de LI aspectos interacionistas, propomos uma análise voltada a averiguar as impressões dos professores participantes do estudo acerca do uso da literatura em suas experiências de ensino/aprendizagem de LI.
Quanto ao uso da literatura em LI como proposta para a sala de aula, perguntamos aos professores se eles faziam uso de textos literários, atribuindo, como valores a serem escolhidos: “sim, com frequência”; “sim, às vezes”; “raramente” e “ainda não trabalhei”.
O gráfico mostra que, dos seis professores participantes, quatro afirmam utilizar com frequência a literatura na sala de aula de LI; um, apenas às vezes; e outro, raramente, nenhum professor mencionou nunca ter trabalhado com o texto literário, por isso. Frente ao exposto, percebemos a literatura, em modalidade didática, como uma escolha pertinente ao ensino, uma vez que pode convergir para uma plurissignificação discursiva que deve ser inerente ao ensino de LI, como postulado por Brumfit e Carter (2000).
Solicitamos aos professores que relatassem a maneira como desenvolvem o trabalho com o texto literário, a fim de compreender as metodologias de ensino empregadas. De modo sintético, os professores relataram que:
As respostas obtidas mostram vários caminhos possíveis de serem percorridos com o texto literário em sala. Cabe mencionar, contudo, que, em alguns casos, o trabalho com o gênero textual da esfera artístico-literária já se encontra previsto pela própria grade curricular da disciplina. O caráter curricular não deve ser visto como um ato que invalida o uso de literatura na LI, posto que não são todos os professores que atuam apenas na educação pública.
Apesar de suas limitações, observamos que as respostas aludem a um ensino voltado ao conhecimento da história do aluno e de promoção de desafios e possibilidades, estruturados a fim de atingir uma urgência na busca da qualidade da aprendizagem. Ademais, as respostas abarcam o conceito de utilidade estabelecido por Duff e Maley (2003), de modo que é possível perspectivar a literatura como uma oportunidade para o aluno aprender, de modo ativo, a relação entre texto e contexto.
No intuito de abarcar a proposição integral da consciência linguística, busquemos entender, inicialmente, a percepção dos professores quanto à relação entre a literatura e o ensino sistêmico. A esse respeito, foi apresentada a afirmação de que o estudo do texto literário se associa com aspectos linguísticos. Os professores deveriam assinalar, frente à colocação, as alternativas do formulário que fossem mais condizentes com suas crenças (Gráfico 2).
Quatro dos seis professores concordaram totalmente que o ensino de aspectos linguísticos da LI pode ser trabalhado na sala por meio da literatura. Dois mostraram-se apenas “de acordo” e nenhum discordou da proposição. A concordância majoritária dos professores corrobora com o valor da utilização da literatura para o ensino das propriedades sistêmicas, tão comuns aos nativos da língua-alvo. Essa percepção dos professores coaduna as vantagens do texto literário ao ensino de LI e sua estrutura. A condição reforça a noção da literatura como veículo para desenvolver a leitura, a escrita, a compreensão oral e a pronúncia diante do contato com as estruturas morfogramaticais do texto e do próprio repertório de apreciação literária.
Em adendo, baseando-nos nos estudos de Brumfit e Carter (2000), concebemos que o trabalho com os gêneros textuais da esfera artístico-literária promove o desenvolvimento das habilidades da língua. Contudo, para atingir essas habilidades, torna-se necessário que o professor, em seu processo de transformação do texto literário em material didático, reflita a escolha textual, proponha atividades adjacentes interessantes e procure meios de conduzir os alunos a participarem e interagirem no processo de ensino.
Ressaltamos, assim, que processos de ensino que envolvem literatura se constituem como ferramentas válidas para viabilizar tanto avanços na modalidade escrita, quanto em seu espectro oral. Afinal, como sugerido por Collie e Slater (1987), o material literário possibilita uma ampla abertura comunicativa, de modo que o aluno pode aprender sobre a LI e sua literatura, utilizando-as discursivamente.
Desse modo, pode-se dizer que a presente na mobilização dos aspectos orais não está necessariamente relacionada ao material didático literário, mas, sobretudo, a uma mais ampla lacuna existente no ensino dos aspectos sistêmicos da LI. Diante da predominância da escrita, reconhecemos problemáticas no desenvolvimento de atividades orais na educação, inclusive em Língua Portuguesa, que se agravam na abordagem oral da LI. Contudo, com base em Duff e Marly (2003), afirmamos que essas barreiras não devem ser impedimentos ao uso do texto literário, mas uma oportunidade à utilização dos benefícios da criatividade e do imaginário como elementos motivadores da prática oral e escrita em LI.
A fim de contemplar outro aspecto da consciência linguística, fizemos a seguinte afirmação: “um texto literário consegue atravessar gerações, fronteiras e nacionalidades, sem perder as suas características, sendo reconhecido por seu incontestável valor histórico, político, artístico e cultural”. Por meio desse enunciado, buscamos perceber o entendimento dos professores quanto à capacidade da literatura de mobilizar e propiciar um desenvolvimento dos aspectos socioculturais da LI. O Gráfico 3 ilustra as respostas obtidas.
Os dados explicitam que os professores, em sua maioria, reconhecem a riqueza dos aspectos socioculturais que os textos literários carregam. Consideramos ser de extrema relevância esse reconhecimento, visto que a leitura de textos literários consiste em um meio potencial de estabelecer contato com o “outro”, com o histórico, com o social, com o cultural e com a realidade do mundo da LI em diferentes períodos históricos. Assim, chamamos a atenção para a necessidade de tanto refletir e perceber a natureza da linguagem presente na literatura quanto de relacioná-la com os domínios linguísticos e socioculturais da língua.
O texto literário constitui, então, um recurso que compreende o aprendizado de LI não somente pela estrutura da língua, mas também pelo mundo a que ela pertence. Desse modo, como postulado por Bloom (2001), o ato de ler relaciona-se com um uso efetivo da língua em seus contextos de mundo. Assim perspectivada, a literatura instrumentaliza-se para a ampliação cultural e linguística, possibilitando uma extensão do texto e uma efetiva associação de sentido na aprendizagem de LI – apesar de possíveis dificuldades no processo (Duff; Maley, 2003).
Ao considerarmos a leitura literária um fator fundamental ao desenvolvimento pessoal, criativo, crítico e reflexivo, inferimos que o seu uso, aplicado em contextos de ensino de LI, constitui um meio de inserir-se no mundo. Nesse sentido, perguntamos aos professores o que eles entendiam por formação de consciência crítica em LI. Haja vista que apenas três professores responderam a esse questionamento, tomaremos essas respostas como amostras para análise:
As respostas, em linhas gerais, expuseram que existe uma compreensão significativa do que pode ser entendido como formação da consciência social. A ciência dos professores torna-se um fator importante, já que o espaço escolar se configura como um potencial ambiente de construção de identidades cidadãs, de modo que é possível oportunizar, por meio da mediação, o desenvolvimento de consciências críticas. Nesse sentido, é necessário enfatizar que a formação dessa consciência não pode se dar apenas em caráter reflexivo, como as respostas dos professores parecem suscitar. Na aula de LI, o professor, entendido como par mais hábil (Figueiredo, 2006; Bruner, 1977), exerce papel fundamental ao propor o que Moita Lopes (2003) considera atividades conscientes.
Desse modo, mais do que um entendimento de que as aulas de LI não devem apenas conduzir decodificações e traduções, deve-se reconhecer a sala de aula como palco apropriado para tarefas que propiciem essa tomada de consciência. Em um âmbito geral, as declarações mostraram que os professores participantes estão cientes da necessidade de que o aluno entenda criticamente o conteúdo com o qual interage.
Diante desse panorama, reforçamos a capacidade do ensino de LI de estabelecer relações sociais diversas que podem, como defendido por Ataíde (2016), ampliar-se no uso de textos literários diversos, desde que dimensionados em práticas de aprendizagens sistêmicas e críticas. O uso da literatura, como também observado nas colocações dos professores, compreende que uma educação voltada à formação de consciência desempenha um processo que oportuniza ao aluno a exploração e o desenvolvimento de sua subjetividade, sua criatividade e seu pensamento crítico.
Ao possibilitar um panorama do mundo ao qual o texto e o autor pertencem, o texto literário, articulado como material didático, proporciona discussões ponderadas sobre os mais diferentes assuntos e temáticas. Assim, ao serem questionados sobre o porquê de o trabalho com literatura fazer-se relevante ao ensino de LI, os professores que responderam a essa questão ressaltaram o caráter crítico da proposta:
Notamos, a partir desses excertos, que os professores compreendem a literatura como instrumento de interação reflexiva com a língua-alvo. Somamos a isso o fato de que esses mesmos professores tendem a perceber a tonalidade crítica que a atividade de literatura na aula de LI pode envolver. Afinal, por meio do texto literário, explora-se um percurso em que o aluno, inicialmente, conhece e posiciona as informações, a fim de ampliá-las e ressignificá-las posteriormente. Observamos, assim, que os professores reconhecem a literatura na sala de aula como uma ferramenta didática de possibilidades contextuais e significativas. Ressaltamos, ainda, como a abordagem com a literatura pode ser tomada como uma proposta pertinente para outras disciplinas, visto que aborda os assuntos mais diversos da atividade humana ao passo que, simultaneamente, constitui-se como tal.
As respostas dos professores demonstraram que eles reconhecem a relevância do trabalho com a literatura ao denotar uma compreensão do literário em seu valor humanístico, histórico e social. Com efeito, as declarações apresentadas convergem com o que Brumfit e Carter (2000) promovem como possibilidade representativa da literatura. Em outras palavras, o texto literário permite lidar com as situações mais distintas do mundo ficcional, de modo que, quando trabalhado sob uma visão representativa, pode conduzir os alunos a desenvolver a capacidade de abstrair significados às suas vidas e a fim de lidar com situações da vida real.
A literatura também é concebida, pelos professores participantes do estudo, por meio de seu teor humanístico, sendo capaz de fazer com que alunos desenvolvam uma posição ativa diante da realidade na qual estão inseridos. Também é possível dizer que as respostas que asseveram o papel humanizador da literatura aliam-se às três faces defendidas na teoria de Candido (2011), pois esta: (1) colabora na construção de objetos autônomos, como a estrutura da língua e seu significado; (2) configura-se como uma forma de expressão, capaz de manifestar emoções e perspectivas de indivíduos e grupos, a incluir nativos da LI; e (3) constitui-se como uma forma de conhecimento, funcionando como via de contato com a arte e os bens culturais, entendidos como um direito humano inalienável. Podemos, desse modo, afirmar que as produções literárias em LI satisfazem as necessidades de um ensino consciente da língua, enriquecendo a percepção do mundo articuladamente.
Portanto, mais uma vez, corroboramos o uso da literatura no ensino de LI frente à sua capacidade de mobilizar significados de mundo e objetivos técnicos na promoção da aprendizagem. Defendemos o uso do texto literário em uma abordagem interdisciplinar capaz de demonstrar aos alunos/leitores códigos linguísticos e estilísticos somados a representações temáticas e ideológicas. Esse fenômeno multidimensional revela a realidade de que o texto e, consequentemente, a língua, fazem parte, fator que permite reafirmar que a literatura, como recurso didático dentro do ensino de LI, contribui para a formação da consciência linguística do aprendiz.
No que tange à consciência crítica, abordada de forma mais direcional nesta seção, é possível afirmar que a literatura contribui para o seu desenvolvimento. Mesmo ao se considerar toda a dificuldade de desconstruir o caráter conteudista das aulas de LI, bem como a necessidade ainda corrente de promover práticas que fujam do viés de propagação de saberes já cristalizados, é válido ressaltar que, no geral, professores e alunos têm encontrado na literatura de LI um suporte para diferentes situações de ensino/aprendizagem, ainda que em intensidade mediana – a ser ainda expandida.
Aprender a LI deve se relacionar com o desenvolvimento da capacidade de lidar com situações da vida real. Afinal, a literatura constitui-se um elemento facilitador do diálogo, da crítica e da reflexão, proporcionando aos alunos/leitores a oportunidade para que se tornem indivíduos ativos, tanto de seus próprios processos de ensino, quanto dos mundos culturais aos quais integram.
5 Considerações finais
Investigar as formas como a literatura serve como instrumento de ensino/aprendizado da LI permite verificar em que aspectos a literatura colabora para a promoção do ensino de línguas adicionais, especialmente a LI. Verificamos as possibilidades práticas assumidas pela literatura a fim de desconstruir as ideias atreladas ao método Gramática e Tradução e/ou estabelecer a relação inerente, portanto, contributiva, entre a literatura e a língua. Pontuamos a forma com que essa metodologia direciona a aprendizagem, abrangendo desde a base estrutural da língua até a construção e consideração da consciência de mundo como instrumento relevante.
Em acordo com a teoria explicitada, pudemos observar que a literatura oportuniza ao aluno/leitor práticas significativas, orientando-o e sensibilizando-o em relação ao mundo sem representar a padronização ou a supervalorização da cultura estrangeira. Ademais, conforme apresentado, a literatura em LI, especialmente, assume um inegável caráter como válido instrumento de ensino de línguas, visto que a literatura, articulada como material didático, pode impactar positivamente no resultado das ações pedagógicas realizadas em salas de aulas de LI (Collie; Slater, 1987; Langer, 1994; Lazar, 1993). Reiteramos, ainda, que a inadequação quanto ao seu uso, identificada no uso de aportes teóricos incondizentes, pode acarretar insucesso escolar, social e pessoal, principalmente considerando o estágio formativo em que o aluno se encontra.
Os questionários analisados neste trabalho indicam que a utilização da literatura no ensino de LI requer dimensionar os textos tanto na ampliação do conhecimento linguístico, elevando o estágio formativo do aluno em relação ao domínio estrutural, quanto na exploração do conhecimento de mundo e das funções sociais e culturais do material literário. O uso de textos literários, enquanto proposta para a sala de aula de LI, valida-se como um recurso propício ao conceito de interação entre o mundo de quem aprende e o mundo ao qual a língua-alvo pertence. Nesse sentido, o contato interativo ocorre tanto pela via das estruturas sistêmicas (gramática, vocabulário, fonologia, semântica), quanto pelo prisma sociolinguístico (geografia, história, política, economia, cultura e sociedades) que o texto carrega. Assim sendo, por meio da abordagem interacionista, reconhecemos a literatura como instrumento de ensino de LI significativo.
Igualmente, as análises evidenciaram a relação direta entre uma aprendizagem significativa e a literatura, uma vez que compreendemos o uso dos textos literários como representativos da ação humana, arrolados em atividades extensivas da LI que permeiam a própria vida. Pontuamos, também, que o texto literário garante ao professor um rico material linguístico às aulas de LI, assegurando ao aluno o acesso democrático a bens culturais enquanto direito.
Ao perspectivar e didatizar a literatura na aula de LI sob uma visão interacionista, buscamos estruturar um processo de ensino que garanta uma prática relevante. Dessa maneira, assentes nos fundamentos de Candido (2011), Leffa (1996) e Brumfit e Carter (2000), assinalamos que os resultados obtidos apontam para a potencial ferramenta interacionista presente na leitura literária, decorrente do fato de que esta permite ao aluno, na interação com o texto, contemplar, analisar, interpretar e atribuir sentido aos aspectos gramaticais da língua. Disso resulta que, ao proporcionar contato com a cultura do “outro”, propicia-se, igualmente, uma ampliação de saberes sobre si e a sua própria cultura.
Observamos, ainda, com base em Babaee e Yahya (2014), Figueiredo (2006) e Mota (2010), que a literatura articula o caráter colaborativo ao preconizar um trabalho em grupo, uma vez que o processo de decodificação e compreensão está associado à discussão e ao debate de ideias articuladas coletivamente frente aos textos. Além disso, os materiais literários permitem ao professor uma mediação ampliadora dos conceitos apresentados pelos alunos, oferecendo novas pistas relativas a pontos do texto que ainda não foram explorados. Consequentemente, acreditamos que a literatura fornece oportunidades de engajamento discursivo da/na LI ao configurar-se como um conjunto aberto, dinâmico e contextualizado.
A partir da sistematização deste estudo, compreendemos a validade do uso da literatura na sala de aula de LI como um aporte teórico que reaviva e legitima a construção de conhecimentos. Dessa forma, confirmamos a hipótese do uso da literatura como instrumento relevante ao ensino de LI, pois mobiliza, dialogicamente, a interação social, a cultura, a história e as práticas sociais. Frente a essas perspectivas, a literatura como ferramenta ao ensino/aprendizagem de LI amplia o leque de oportunidades comunicativas, serve à construção de saberes estruturais da língua-alvo, proporciona a formação de leitores – meta recomendada à escola –, oferece acesso a bens culturais da humanidade e, em suas concretudes, permite relacionar a língua-alvo com a amplitude de seus contextos.
RESUMO
Main Text
1 Introdução
2 A literatura em LI como ferramenta de abordagem interacionista
3 Procedimentos metodológicos
4 Análise e discussão: literatura e os impactos na sala de aula de LI
5 Considerações finais